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Todos no mesmo barco

Pandemia cria dilema da nova ordem global

Publicado

Autor/Imagem:
Sérgio Mansilha

A ordem global foi abalada. Um vírus invisível aos olhos e de magnitude ainda desconhecida se espalhou rapidamente. Quantas pessoas foram infectadas com a Covid-19, quantas ainda podem morrer e quando desenvolveremos uma vacina? Essas e muitas outras perguntas permanecem sem resposta. Assim como a questão de como a ação radical atualmente adotada em nosso País afetará nossa economia e nossa democracia.

A Covid-19 não é apenas mais uma doença infecciosa, mas uma pandemia de vírus. No entanto, parecemos alheios a essa verdade, pensando que uma resposta razoável é restringir as pessoas dentro de suas residências.

A pandemia afeta todas as pessoas. Isso mostra que estamos todos conectados por esse laço invisível de ser humano. Todas as pessoas são iguais antes do vírus. De um modo geral, os vírus são um problema metafísico não resolvido. Ninguém sabe se eles estão vivos. Isso se deve ao fato de ainda não termos uma definição clara de vida.

De fato, ninguém sabe onde a vida realmente começa. É suficiente ter DNA ou precisamos de células com a capacidade de se multiplicar autonomamente? A verdade é: não sabemos.

Alguns defendem a tese que a a Covid-19 é uma resposta imune planetária contra a arrogância humana, levando à destruição de inúmeras criaturas simplesmente por cobiça por lucro; será mesmo?

A nova doença está revelando as fraquezas sistêmicas da ideologia dominante do século XXI. Isso inclui a crença de que podemos conduzir o progresso humano e moral apenas através do progresso científico e tecnológico, o que, por sua vez, nos leva a acreditar que especialistas científicos podem resolver problemas sociais universais.

Esse vírus deve provar esse ponto, claro para todos verem. No entanto, isso será um equívoco perigoso. Sim, precisamos consultar virologistas, somente eles podem ajudar a entender e conter o vírus e salvar vidas humanas.

Mas, quem vai ouvir quando eles nos dizem que todos os anos, mais de duzentas mil crianças morrem de diarreia causada por vírus capturados na água suja? Por que ninguém se importa com essas crianças?

Infelizmente, a resposta é bastante simples, porque essas crianças não vivem no EUA, Alemanha, Espanha, França ou Itália. Naturalmente, isso também é verdade. Eles vivem em campos de refugiados europeus, depois de fugir de situações injustas pelas quais nós, como consumidores, somos parcialmente culpados.

Não há progresso real sem progresso moral. Esta é a lição que a pandemia nos ensina, com o preconceito racista sendo revelado em toda parte. Trump faz o possível para pintar o vírus como um problema chinês; Boris Johnson leva o Reino Unido por um caminho social-darwinista, tentando resolver o problema através da criação de imunidade eugênica ao rebanho.

Muitas pessoas na Alemanha acreditam que seu sistema de saúde é superior ao seu homólogo italiano, confiando que a Alemanha, de alguma forma, se sairá melhor ao lidar com a crise, e no Brasil nada a dizer, ou sem palavras, o que é lamentável e que ficará registrado em nossa História. Estes são estereótipos perigosos, associados a preconceitos tolos.

Estamos todos no mesmo barco. Isso não é novidade. O século XXI em si é uma pandemia, o resultado da globalização. Tudo o que o vírus faz é revelar o que já existe, nossa necessidade de uma compreensão inteiramente nova da conscientização global.

Peter Sloterdijk nos fornece um termo adequado “A vida atual não convida a pensar”. Isso significa que devemos vacinar contra o veneno intelectual, nos dividindo em culturas, raças, faixas etárias e classes nacionais que competem entre si. No momento, os europeus estão protegendo seus doentes e idosos em um esforço sem precedentes de solidariedade. E no Brasil ainda fazemos muito pouco.

O que vemos é que estamos trancando nossas crianças, fechando nossas escolas e criando um estado médico de emergência. Estamos investindo bilhões para impulsionar nossa economia. Se continuarmos na mesma rota que estávamos seguindo antes do surto de Covid-19, estaremos enfrentando crises ainda piores, como: vírus mais perigosos e impossíveis de prevenir; uma guerra econômica contínua com os EUA atualmente travada pela União Europeia e a incógnita da China; a disseminação do racismo e do nacionalismo direcionados às pessoas que buscam refúgio.

E não vamos esquecer a crise climática, que é pior do que qualquer vírus, porque seu resultado será a auto extinção gradual da vida humana.

A Covid-19 apenas atrasou esse processo por um tempo limitado. Antes desse vírus, a ordem mundial não era normal, era letal. Por que não podemos investir bilhões para mudar nossa mobilidade? Por que não podemos usar a transformação digital para realizar reuniões de negócios on-line em vez de voar desnecessariamente em todo o mundo em jatos particulares?

Quando finalmente entenderemos que, comparado à nossa crença de que seremos capazes de resolver todos os problemas do mundo moderno com ciência e tecnologia, o novo coronavírus é realmente bastante inofensivo?

Esse é um apelo a todos nós, a todos os seres humanos, precisamos de um novo tipo de consciência. Obviamente, combater o vírus com todos os meios disponíveis é a estratégia certa por enquanto. De repente, vivemos solidariedade e experimentamos ondas de moralidade. Este é um bom desenvolvimento.

Enfim, após a pandemia do vírus, precisaremos de uma pandemia metafísica, uma unificação de todas as pessoas sob o céu abrangente do qual nunca poderemos escapar. Nós somos e continuaremos a fazer parte desta Terra. Nós somos e continuaremos sendo mortais e frágeis. Então, nos tornemos cidadãos desta Terra, cosmopolitas em uma pandemia metafísica. Tudo o resto será o nosso fim, e nenhum virologista será capaz de nos salvar.

Pense nisso.

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