Grafiteiro nordestino
Lucas desenha as jangadas que Caymmi lança ao mar
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Lucas, tatuador nascido nas ruas quentes de Jaboatão dos Guararapes, sempre teve uma relação peculiar com as cores e as histórias que elas podem contar. Nas tardes abafadas de um dos bairros da cidade que gira em torno do universo da região metropolitana do Recife, onde o barulho do comércio se mistura ao riso das crianças, ele transforma corpos em telas, eternizando sentimentos em pele. Mas é quando o Sol começa a dar sinais de despedida que ele encontra outra vocação: transforma-se em grafiteiro voluntário, um contador de histórias em muros desgastados pelo tempo.
Nessas ocasiões, Lucas se dedica a pintar jangadas. Mas não são jangadas quaisquer; são as que Dorival Caymmi cantou, que enfrentam o mar como companheiras de aventuras. Para ele, essas pequenas e frágeis embarcações são mais do que um símbolo nordestino; representam a essência de um povo que navega pela vida com coragem e poesia.
Nesse fim de semana, uma parede cinza no fim da rua ganhou vida sob as mãos de Lucas. A tinta dançava no ritmo de suas memórias: o mar verde esmeralda que ele viu de verdade pela primeira vez na infância e o som do violão que ecoava nas fitas velhas do pai. Em cada pincelada, Lucas parecia ouvir Caymmi sussurrando: “Vai jangadeiro, vai buscar no mar o pão de cada dia…”. Eram as jangadas entrando nas águas, com os pescadores anunciando que iriam pescar e que, se Deus quiser, um peixe bom iriam pegar.
Os vizinhos, vendo o trabalho de Lucas, paravam, curiosos. Dona Célia, que vende tapioca ali perto, foi a primeira a elogiar:
— Ô, menino, parece que a parede quer mesmo sair navegando!
Lucas sorriu, tímido, e usava os pincéis com mais entusiasmo. Para ele, o grafite não era só arte; significava um chamado. Como o artista define, tratava-se de devolver beleza a muros que antes só refletiam abandono. Estava criando sonhos em quem passava, lembrando que, mesmo nas dificuldades, há sempre espaço para poesia.
Quando ele terminou, o céu já apresentava tons alaranjados, e a jangada parecia ganhar vida sob a tênus luz deixada para trás pelo Sol, que seguia para o outro lado do Atlântico. Ele limpou as mãos na calça jeans, olhou o resultado e suspirou. Amanhã, outro muro o esperaria. E, quem sabe, Dorival voltaria para inspirá-lo, mandando outra jangada ao mar, carregada de histórias para serem contadas.