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Hermetismo cristão

O Papa, o Tarot e as práticas ocultistas na Igreja Católica

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Autor/Imagem:
Hussein Sabra El-Awar -Foto Reprodução*

É surpreendente e intrigante a trama do filme “O Nome da Rosa”, baseado no best-seller homônimo do polêmico escritor Umberto Eco. O filme é dirigido por Jean-Jacques Annaud e protagonizado pelo consagrado ator Sean Conery, o 007, espião inglês “Bond, James Bond”. No filme, 007 é encarnado no frade franciscano Guilherme de Baskerville, que cumpre a missão de investigar e solucionar os crimes fatais cometidos contra os monges num remoto monastério medieval italiano.

Fantasias à parte, o fato é que as ciências ocultas estão presentes nos alfarrábios cristãos, judaicos e indus, desde os tempos imemoriais, que alcançam o antigo Egito, ou antes, a exemplo da Bíblia, da Cabala e do Vedas. Reza a lenda que as sagradas escrituras têm suas raízes no Livro de Hermes, obra repleta de sinais, códigos e figuras esotéricas, denominada Tábua de Esmeraldas.

A origem do Livro de Hermes se confunde com o nascedouro da civilização egípcia, havia seis mil anos antes do presente. As passagens e referências herméticas nos textos religiosos são transcritas em códigos e metáforas, para evitar a popularização, vulgarização, perseguição e punição dos autores e propagadores dos escritos ancestrais herméticos. Os ensinamentos de Hermes são encontrados tanto nas sagradas escrituras, como nas igrejas, mesquitas e templos, do piso ao teto, como também nos vitrais, esculturas e afrescos.

Utilizado através dos séculos como cartas de baralho, o Tarot possui natureza hermética, cujas raízes remontam à Tábua de Esmeraldas do Antigo Egito. A criação do Tarot é atribuída aos sábios egípcios, que compilaram em código o livro de Hermes Trimegisto, o Três Vezes Grande, tornando-se um poderoso instrumento divinatório, e para o conhecimento de si mesmo. O mago Agrippa, em “De Occulta Philosophia”, livro publicado em 1531, já apontava os arcanos como representações vivas das forças cósmicas, servindo para o autoconhecimento e a transmutação do ser.

O baralho das cartas de Tarot totaliza 78 cartas. É dividido em Arcanos Maiores, constituído por 22 cartas e Arcanos Menores, com 56 cartas. No esoterismo cristão, o Tarot configura-se como escrituras paralelas, onde O Louco representa o Cristo peregrino e O Hierofante o Papa, autoridade espiritual com o poder sagrado de conectar o divino ao humano. A jornada do Louco segue os princípios alquímicos de Nigredo (Negro), Albedo (Branco), Citrinitas (amarelo) e Rubedo (vermelho), representando as fases da evolução humana, desde a formação do ser até alcançar a Luz Divina, a Pedra Filosofal.

O Papa e o Tarot
Reza a tradição oral vaticana que o Papa João Paulo II recebeu de seu conselheiro, o jesuíta alemão Hans Urs von Balthasar (1905-1988), o livro “Os Arcanos Maiores do Tarot”, com introdução do próprio Balthasar elogiosa ao autor desconhecido e à obra. No livro, os arcanos do Tarot dialogam com os grandes mistérios do catolicismo, adotando como cenário o Tarot de Marselha, provavelmente o mais usado pelos tarólogos, que possui um simbolismo acentuadamente cristão, de fácil compreensão.

O episódio ocorrido no Vaticano evidencia a tradição hermética cristã e os ecos alquímicos na figura papal, situando João Paulo II como um possível Pontifex Maximus, construtor de pontes, entre o visível e o invisível.

O registro fotográfico foi publicado em 1988 no jornal alemão Welbild, mostrando o Papa João Paulo II sentado à sua mesa com uma pilha de livros servindo de apoio ao microfone. Na base estão os dois volumes do livro ” Die Grossen Arcana des Tarot”, a edição alemã de 1983, traduzida do original francês, e publicada em espanhol com o título “Los Arcanos Mayores do Tarot”. A versão em espanhol é mantida em minha mesa de trabalho para consultas e meditações.

A obra revela os símbolos do hermetismo cristão em seus vários níveis de misticismo, gnose e Magia. Esses símbolos estão resumidos nos vinte e dois “Arcanos Maiores”, por meio dos quais o autor busca conduzir meditativamente à sabedoria mais profunda e abrangente do Mistério Católico.

O autor desconhecido
Soube-se posteriormente que o livro “Arcanos Maiores” foi publicado anonimamente em 1972 pelo escritor católico e antroposofista Valentin Tomberg, de nacionalidade russa. Exilado por perseguição política, ideológica e religiosa, após viver e trabalhar em alguns países, Valentin fixou residência na Inglaterra, onde trabalhou como tradutor e se aposentou em 1960. Desde então dedicou-se aos manuscritos do livro em tela, com o título original “Méditations sûr les 22 Arcanes Majeurs du Tarot”.

Todavia, a difusão do livro somente ocorreu a partir de 1980, com a publicação pela Editora Aubier (Paris, 1980), como autor anônimo. Envolto em mistérios, seu falecimento ocorreu durante as férias nas ilhas Majorca, em 24 de fevereiro de 1973. Duas semanas mais tarde sua esposa e colaboradora Maria também faleceu, por causa desconhecida.

Balthasar e a Tradição dos Magos
O nome Balthasar é tradicionalmente atribuído a um dos Três Reis Magos do Oriente, junto a Belchior e Gaspar, que trouxeram oferendas para o Menino Jesus, guiados por sinais celestiais. Assim, o Balthasar conselheiro do Papa, pode ter atuado como um mensageiro divino, portador do Tarot, reconhecendo em João Paulo II o Sumo Pontífice capaz de decifrar os enigmas do Céu e da Terra.

Ao refletir sobre o Papa João Paulo II, Balthasar e Valentin, devemos incluir nesse pensamento os sumo-pontífices João Paulo I e Bento XVI, compondo, cada um, uma extremidade do Pentagrama, figura hermética que simboliza o homem conectado com o Céu. De acordo com Hermes Trimegisto: “O que está em cima é como o que está embaixo”.

Nesse arranjo eclesiástico surpreendem algumas evidências comuns aos personagens. O Papa João Paulo I governou o Vaticano por apenas 33 dias, vindo a falecer subitamente por causas misteriosas e ainda não devidamente explicadas.

Balthasar, intelectual com dezenas de livros publicados sobre a fé cristã, teve morte repentina três dias antes de ser promovido a Cardeal, em 1988, condecoração concedida por João Paulo II. Bento XVI, amigo de Balthasar, prestou uma homenagem ao padre jesuíta na comemoração dos cem anos do seu nascimento, em 6 de outubro de 2005. Na ocasião fez uma deferência a Balthasar, assegurando que a sua “reflexão teológica se mantem intacta até hoje, uma profunda atualidade do mistério da fé”.

Na introdução do livro, Balthasar se refere a Valentin como “Um pensador e orante cristão, cuja pureza força e admiração apresenta-se diante de nós, inspirando-se nas ciências cabalísticas e em alguns elementos da alquimia e da astrologia, símbolos do hermetismo cristão em seus diferentes níveis – mística, gnose e magia – reunidos nos vinte e dois grandes arcanos do jogo de tarô, e, por suas meditações, procura reconduzir à sabedoria mais profunda, porque universal, do mistério católico’’.

A entrega do livro sobre os Arcanos ao papa João Paulo II pode ser interpretada como uma extensão do Evangelho. Cada lâmina dos Arcanos Maiores, do Mago (1) ao Mundo (21), retrata uma etapa da jornada da alma. O Louco é um arcano móvel, podendo constar como a carta “0” ou a “22”, a depender da versão do Tarot. A presença do Papa neste contexto esotérico sugere um reconhecimento silencioso de que as formas arquetípicas do Tarot podem ecoar os mistérios da fé.

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Hussein Sabra el-Awar
Membro Conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas
@colegiodosmagosesacerdotisas

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*Foto original, Welbild, 18 de novembro de 1988

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