Mulher de fibra
Do Mobral ao bê-a-bá dos filhos, avó boa é a que agrada até ao genro
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Minha avó materna se chamava Maria. Maria Diogo Oliveira. Morreu quatro anos antes de eu nascer, mas, às vezes, acho que a conheço melhor do que muita gente viva. Ela sempre habitou minha imaginação — como se fosse uma sombra cheia de luz. Cresci ouvindo histórias sobre ela, histórias contadas por gente que a amava com aquele tipo de amor que não morre junto com o corpo.
Já era adulta quando aprendeu a ler, no Mobral. E, ao que tudo indica, aprendeu com gosto porque fez disso uma arma e um escudo. Quis, com todas as forças, que seus filhos e filhas estudassem. Lutou por isso. Comprou brigas dentro da própria família, rompeu tradições, empurrou os filhos para o mundo com caderno na mão e sonho no peito. Não queria ninguém preso ao destino de repetir miséria, ignorância ou submissão.
Trabalhou muito. Esse é o refrão que ouço desde pequena. “Sua avó trabalhou muito, todos os dias acordava antes do sol nascer.” Embora eu saiba quais tarefas ela realizava, fico tentando imaginar como era esse “muito”. Hoje, sendo uma mulher adulta e mãe, sei que há um cansaço específico das mulheres como ela, um cansaço que não aparece em foto, mas que molda as decisões e a própria vida.
Tenho uma curiosidade imensa sobre seu jeito. Como será que ela falava? Será que tinha risada fácil ou era daquelas silenciosas que observam tudo? Meu pai dizia que ela era sua amiga. Isso me comove. Porque nem todo genro pode dizer isso da sogra. Se eram amigos, é porque havia afeto sem medo, conversa sem censura, confiança construída. E fico pensando: será que, se nos conhecêssemos, ela também seria minha amiga?
Eu e minha avó Maria nunca habitamos, ao mesmo tempo, o mesmo mundo. Mas gosto de pensar que talvez ela exista em mim de algum modo. No meu desejo por justiça, no prazer que tenho em aprender, no orgulho que sinto quando alguém da família vence mais uma batalha, nas pessoas que secretamente ajudo. Talvez, sem saber, eu siga os passos dela. Talvez escrever sobre ela seja, no fundo, uma maneira de continuar o que ela começou.