Carta com carinho, respeito e admiração destinada ao Daniel Marchi

Meu caro Daniel,

Soube, não por artes místicas, mas por confidência moderna, que atravessas uma crise literária. E confesso: dei um risinho. Não de escárnio, pelo amor de todas as musas — mas de quem vê que mesmo os que têm talento sobrando passam por crises como essa.

Ora, confesso que, ao receber tal notícia, ajeitei os óculos imaginários e decidi escrever-te com o esmero de quem redige uma petição ao Supremo. Porque, sendo tu um dos mais habilidosos escritores que conheço, escolhi as palavras com o mesmo cuidado com que se escolhe vinho bom para visita ilustre. Tudo isso na honesta intenção de impressionar alguém por quem nutro verdadeira devoção.

Crise literária, meu caro? Não te preocupes tanto. Ela é como aquela visita chata que chega sem avisar, senta no sofá da sala da nossa inspiração e começa a criticar a mobília. É preciso sorrir com polidez, servir um café morno, e esperar que vá embora sozinha, como veio.

De mais a mais, quem escreve com facilidade todos os dias, meu amigo, ou está mentindo, ou usando o ChatGPT. A literatura verdadeira é feita de tropeços, rasuras e diálogos imaginários com fantasmas que usam monóculos.

Sugiro, portanto, que abraces tua crise com certo entusiasmo. Trate-a como dama antiga: convide-a para dançar, mas jamais a deixe conduzir. E, se ela insistir em puxar o passo, invente um ritmo novo. A beleza da arte, afinal, está também nos tropeços.

E se, por acaso, nada disso funcionar, recomendo uma receita infalível: escreva uma carta. A mim, por exemplo. Diz-me das tuas dúvidas, dos teus personagens fugidios, das frases que começam bem e terminam em lugar nenhum. Às vezes, basta tirar o peso da cabeça e colocá-lo no papel.

Com admiração sincera, ligeira malícia e um carinho cheio de reticências,
Tua amiga,
Dona Irene