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Lembranças

A borboleta Atíria e as infinitas estrelas no Céu

Publicado

Autor/Imagem:
Mércia Souza - Foto Editoria de Artes/IA

Muito bem guardadas nas caixinhas de nossa memória estão lembranças maravilhosas, algumas quase esquecidas pelo tempo, mas basta um cheiro, uma frase, uma música e elas ressurgem seguidas pelas emoções vividas no nosso passado.

Cheiros, músicas e tantas outras formas de despertar nossas lembranças são como chaves que abrem nossas gavetas escondidas, espaços que apenas nós temos acesso, são nossas joias raras guardadas no nossa porta joia interno.

Algumas essas lembranças são ruins, e para nossa defesa nosso cérebro decide que de fato são lembranças que devem ser esquecidas, evitando assim a dor de reviva-las constantemente, ainda assim encontramos chaves que nos levam de volta a essas memórias, a essas chamamos de gatilhos e muitas vezes elas despertam grandes dores nos levando a revivê-las de
tão forma que a essas devemos cuidar, sendo as necessário a ajuda de um profissional.

Mas, voltemos ao que me trouxe a esse texto.

Sou cheia de caixinhas, cheia de porta joias no meu interior e as chaves não estão escondidas, elas estão espalhadas pelo tempo.

As vezes esbarro em uma arruda e o cheiro invade minhas narinas, no mesmo instante sinto um relaxamento tomar conta do meu ser, outras vezes, quando estou bem cansada colho suas folhas, fervo e tomo um banho sentindo o cheiro invadir o espaço enquanto retira todo meu cansaço e renova minhas energias.

O motivo, quando nasci, diante das dificuldades, o sabão usado era produzido pela minha mãe e avós, continha muita soda caustica e não poderia ser usado nos bebês, e não havia dinheiro para um simples sabonete, na época eram também mais caros do que atualmente com tantas variedades, e a arruda era fervida e usada nos nossos banhos até os seis meses de idade, minha memória olfativa mantém a ideia de pureza, relaxamento e acolhimento diante do cheiro da planta.

Ontem, em uma doceria uma música lançada quando eu tinha 12 anos me levou de volta às noites escuras, dentro de mim sou capaz de ver a menina alegre do interior.

A música de Luan e Vanessa que que tornou sucesso na época tocava em todos os programas de rádio, eu a decorei, até hoje conheço de cor sua letra e ritmo.

Durante as noites escuras, sem lua, apenas as estrelas que devo dizer, no interior elas são numerosas e ainda me surpreende, os vagalumes, sons de grilos e o coaxar dos sapos enquanto caminhávamos quatro quilômetros após a coroação de Nossa Senhora, eu me tornava parte do som noturno cantando em alta voz a música e dividindo com a natureza noturna minha
alegria.

Citei as noites de lua nova, pois acredito ser as mais marcantes, havia um contraste, minha mãe tinha muito medo de andar na noite e eu, amava.

Mas, muitas vezes dividi minha voz nas noites de lua cheia também, essas noites aumentava os sons dos animais noturnos, mas diminuía a visibilidade das estrelas e vagalumes.

Aos dois anos deixamos o interior, ganhei novos amigos, novas portas se abriram, mas perdi a cantoria noturna, na cidade se eu andar na noite cantando em alta voz serei chamada de louca e ouvirei alguns vizinhos chateados.

As estrelas quase não são vistas, os vagalumes são raríssimos, mas foi nessa mudança que li um romance do mundo animal, o livro “O caso da borboleta Atíria,” me lembro que na época me o pequeno livro me levou as lágrimas.

Hoje, adulta, não entendia o que me emocionou tanto.

Há três anos, acampei no Pico da Bandeira, acampamento casa queimada, lado do Espírito santo, levei minha filha e antes de sair eu disse a ela:

– Você vai ver o que um céu coberto de estrelas.

Ao que ela respondia desacreditada:

– É igual em todo lugar.

Chegamos bem cedo, nos organizamos, o dia passou lentamente, como só nesses lugares eles passam, juro, o relógio do interior não conta as horas como o da cidade, e o tempo que corria tranquilo e calmo trouxe a noite.

Em poucos instantes estrelas de todos os tamanhos invadiram o céu, as constelações, o caminho de noiva… tantas esquecidas por mim.

Minha filha acompanhava o surgir das estrelas fascinada, repetia o tempo todo olhando para o céu:

– Mãe, quanta estrela!

E eu:

– Eu disse, não é igual.

Ela passou mais de uma hora e meia admirando o céu, enquanto repetia cansativamente:

– Mãe, quanta estrela!

Ela, foi uma das chaves da minha gaveta de joias, me vi de volta a infância.

De volta em casa decidi ler novamente o livro “O caso da borboleta Atíria” e então entendi que aquela história é parte de mim, de quem sou, é o reconectar com a natureza, é ler as minhas raízes, é mais que a chave de uma gaveta, é a chave de palácio interno.

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