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Maternidade

Ser mãe é um reality show onde todo mundo dá seu palpite sem ser convidado

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@donairene13 - Foto Editoria de Artes/IA

Na minha experiência — e olha que sou do tipo que observa, sente e, remoendo, escreve — a maternidade é maravilhosa. Ser mãe foi, sem sombra de dúvidas, a melhor escolha que eu poderia ter feito na vida. Por muito tempo, até lamentei ter feito essa escolha “tarde demais”, aos 38 anos. Um arrependimento bobo, confesso, porque a vida tem um timing curioso, e, às vezes, a hora certa não é a mais comum, é a mais verdadeira. Mas, como todas as escolhas importantes da vida, ser mãe também tem o seu lado difícil, o seu lado sombrio, o seu lado “pra que eu fui inventar isso mesmo?”.

E não, não estou falando das madrugadas mal dormidas, da rotina estafante, do cansaço físico. Isso tudo cansa, claro. Mas, honestamente, passa. A criança cresce, começa a dormir melhor, e você, aos poucos, volta a sentir que tem um corpo — e não só um par de braços que embalam, uma boca que canta canções de ninar e um ouvido treinado pra detectar resmungos às três da manhã.

O mais cansativo, em minha modesta e calejada opinião, é o julgamento. É a patrulha silenciosa — e às vezes bem barulhenta — sobre o modo como você escolhe maternar. É uma espécie de reality show da maternidade, onde todo mundo tem um palpite e ninguém foi convidado.

Às vezes vem de forma sutil, envolta em papel celofane, como uma pergunta “inocente”:

— Você dá açúcar pra ela?

— Ah, mas você deixa ela ver telas?

— E já deu danoninho? Industrializado?

— Você sabia que a Sociedade Brasileira de Pediatria não recomenda suco antes dos dois anos?

E tem a abordagem que eu mais detesto: aquela em que a crítica vem por meio de uma conversa simulada com a criança, como se ela fosse entender, como se fosse uma cúmplice num tribunal de pequenas culpas maternas:

— Ihhh, sua mãe não limpou esse narizinho?

— Ué, cadê a roupinha nova pra ir na festinha do amiguinho, hein? Sua mãe esqueceu?

É como se, de repente, ser mãe fosse sinônimo de se colocar eternamente no banco dos réus. Como se toda decisão — desde o tipo de fralda até a hora de introduzir ovo mexido — precisasse passar por um comitê internacional de julgadores anônimos.

E não importa o quanto você leia, estude, converse com profissionais, siga seu instinto, seu afeto, sua verdade: alguém sempre vai achar que você está fazendo errado. E, olha, talvez eu esteja mesmo. Talvez todo mundo esteja um pouco. Porque criar um ser humano não é fórmula matemática.

Agora, preciso dizer: quando essas críticas vêm de desconhecidos, sinceramente, me importo bem pouco. Dou de ombros, sigo em frente, finjo costume. Mas o que realmente me machuca é quando esse tipo de julgamento vem de alguém que está sempre por perto. Alguém que me vê todos os dias, que conhece minha rotina, que sabe — ou deveria saber — o quanto me esforço. Essas pessoas, que fazem parte do meu convívio, deviam perceber que eu estou dando o melhor de mim. E não é figura de linguagem, é literal: o melhor que eu tenho, eu entrego.

Ser mãe é incrível. É amor que dá nó no peito e brilho no olho. É a coisa mais bonita e transformadora que já vivi. Mas seria ainda mais maravilhosa se viesse com menos cobranças e mais empatia. Se, invés de perguntar “Você deu fórmula?”, alguém perguntasse: “Você tá bem? Tá precisando de ajuda?”.

E se um dia eu esquecer de limpar o nariz dela, tudo bem. O que eu nunca esqueço — nem por um segundo — é o quanto ela é amada. E isso, sim, devia ser o critério de avaliação principal.

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