Giro turístico no Nordeste
O passaporte que abre o caminho da viagem para as Onze Negras
Publicado
em
O turista não sabia o que procurava. Desceu do avião com o coração leve e a mochila pesada — pesava não pelos objetos, mas pelas expectativas. Sempre sonhara em viajar para longe de si mesmo, mas mal sabia que a viagem mais transformadora seria para dentro dos outros.
Foi numa tarde abafada de sábado que ele tropeçou em uma exposição chamada “As Onze Negras”, no centro cultural de uma cidade que ele mal conseguia pronunciar. Entrou por curiosidade, ficou por respeito. Ali, não havia paisagens tropicais nem souvenirs baratos. Havia história. E vozes. E presença.
Onze mulheres. Onze vidas. Onze mundos que cabiam num só coração: o dele.
A primeira negra era uma quitandeira do século XIX, que vendia doces para comprar a liberdade dos filhos. A segunda, uma professora que alfabetizou gerações mesmo sem ter estudado formalmente. A terceira, uma dançarina que encantava os palcos e desafiava os padrões de beleza impostos.
E assim ele foi viajando, sem sair da sala. Cada painel era uma passagem, cada história um embarque. A quarta negra era uma intelectual exilada, que escreveu sobre liberdade com a tinta da saudade. A quinta, uma líder de quilombo moderno — urbana, combativa, irreverente. A sexta, uma avó rezadeira, que misturava fé e afeto no mesmo caldeirão.
Com a sétima, o turista chorou. Era uma menina de apenas 12 anos, morta por uma bala que não tinha destino, mas encontrou seu corpo. Na oitava, sentiu raiva: uma empregada doméstica que virou escritora e foi silenciada por décadas. Na nona, sentiu alegria: uma rapper que rimava sua dor e virava esperança para a quebrada.
Na décima, foi silêncio. Uma artista plástica que usava o próprio cabelo como pincel e a memória como tela. Na décima primeira, encontrou a síntese: uma mulher que era todas as outras — mãe, filha, guerreira, sobrevivente. Negra.
O turista saiu da exposição sem tirar uma foto. Não quis registrar com a câmera o que estava gravado no peito.
Pela primeira vez, entendeu que viajar não é fugir. É encontrar. E, naquele dia, ele se encontrou nas onze mulheres que, embora não fossem espelhos de sua pele ou seu passado, refletiam a dignidade universal de existir com verdade.
Nunca mais viajou da mesma forma.
Agora, em cada esquina, buscava as histórias escondidas nas sombras. E quando alguém lhe perguntava o que mais gostou naquela viagem, ele respondia, sem hesitar:
— As onze negras.