O luro
Entre os nordestinos, quando se chora no enterro, a dor vira doença
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No silêncio das manhãs seguintes ao enterro, quando o café esfria na mesa e ninguém mais liga para saber como você está, começa o verdadeiro luto. A perda, que no velório era um rio revolto de lágrimas, vai se transformando numa correnteza silenciosa, que corre por dentro, desgastando os ossos e escurecendo os dias.
Dizem que o tempo cura tudo, mas não dizem quanto tempo. Também não avisam que o luto adoece — não só a alma, mas o corpo. Vêm as dores que os médicos não explicam, o cansaço que não passa com sono, os esquecimentos que assustam. O peito aperta, o estômago recusa, o coração acelera em horas vazias. É o corpo chorando o que a alma já não dá conta de carregar sozinha.
No enterro, choram todos. Mas depois… é só o enlutado e sua solidão. Os outros voltam ao trabalho, aos compromissos, à vida. E o enlutado, esse segue preso num tempo que parou no último suspiro daquele que se foi.
A sociedade cobra superação, pede força, exige reação. Como se a dor tivesse prazo de validade. Como se bastasse enterrar o corpo para enterrar o amor. Mas há lutos que não passam. Há dores que viram parte do corpo, como uma cicatriz que arde no frio, um osso mal curado, uma memória que insiste em sangrar.
E é assim que muitos adoecem: sem febre, sem ferida visível, mas com um vazio que pesa toneladas. Porque o luto, quando não acolhido, se entranha. Porque a dor, quando não escutada, grita de outras formas. E, muitas vezes, o choro abafado no enterro é só o começo de uma doença que ninguém vê — mas que consome, devagar, por dentro.