Momentos
A rua da casa vazia, sombria na noite fria
Publicado
em
A rua, a esta hora silenciosa, parece um sonho
Fixa, vazia, no escuro do tempo e do espaço
O frio deita sobre ela uma expressão incomum
De desterro, de degredo, e eu exilado e sem paixão
E eu exilado, sem traço nenhum
Numa profunda e compreensível solidão
Na rua, minha casa
Que está toda preparada
Para que outros a habitem
Outros que são como o que fui
Ou pros que, um dia, serão
Como eu hoje sou, um outro eu de sonhos
Um outro eu que faz pedidos à estrela cadente
E ela não os ouve, jamais os compreendeu
Nem de perto, nem de longe
Nesta casa fechada e sólida
Guardo minhas coisas mais preciosas
Uma caixa de música toca “Torna a Surriento”
Um camafeu
Um cachimbo de espuma do mar
O livro autografado
O anel com vidrilho
E um velho colar
Um brinquedo de meu filho
O chapéu engraçado
Meu carro e minha razão
Que vou perdendo aos poucos
Digerindo e expelindo
Se aparta de mim para não voltar
A casa para onde volto
Em vigília e durante o sono
Em sonhos, com cenários extravagantes
Ainda vai salvar a minha vida.
……………..
Daniel Marchi (@prof.danielmarchi) é poeta. Carioca e suburbano, é também advogado e professor universitário. Autor dos livros “A Verdade nos Seres” (2024) e “Território do Sonho” (no prelo).