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Fumaça impressa

Cabaré Brasil tem político rufião, pastor e pai de santo numa mesma noite

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Editoria de Artes/IA

Do Mané ao João, do Zé ao Jair e do Arthur ao Valdemar quem nunca pisou, saracoteou, gastou e se homiziou em um cabaré? Não necessariamente no ambiente da saliência, mas, quem sabe, no local em que se busca entretenimento teatral, com música, dança e recitação de valores públicos. O sertanejo Leonardo é mestre em cabarés. Para quem só pensa besteira, é aquela velha história de que, assim como os artistas, os homens têm de estar onde eles se sentem bem. Em se tratando de cabaré do tipo cabaré, eu faço como os políticos depois de eleitos. Pensam que vou, mas nunca estou. Me imaginam na esbórnia, mas vivo na cozinha do prazer eterno do lar.

É lá que tempero a gosto o cozinho de todos os dias. É amor que não se acaba. Ao contrário dos políticos, nunca prometo o que não posso cumprir. Por isso, se digo que vou para o play jamais me encontrarão no Congresso Nacional, recinto nada pudico, lúdico ao extremo e normalmente frequentado por aqueles que juram diante de Leão 14 abominar a conjuminância com a carne alheia, mas não deixam de bater ponto todas as noites na casa gerenciada por Madame Abigail. Aliás, a similaridade deve ser o que os leva de uma zona à outra.

Coitado dos nossos homens públicos, todos íntegros, probos, acima de qualquer suspeita e vítimas diárias da língua do brasileiro, cuja saliva mata mais do que bala de revólver e do que veneno da cruza de uma cascavel com jararaca. Como a prova desse entra sai seria a fumaça impressa, fica o dito pelo não dito. Coisas do Brasil, país em que tudo pode acontecer, inclusive construções geminadas e alugadas à direita para um pastor evangélico e à esquerda para uma empresária do ramo da saliência explícita e com gemidos de até mil decibéis.

Tudo sem negociação prévia. Quando isso ocorre, o resultado não pode ser outro. Confusão na inauguração dos negócios. Os gritos sussurrantes do antro do pecado se confundem com os louvores radiofonizados da Igreja Presbicheriana. O mais interessante do entra e sai de um lado e de outro é o perfil dos que entram e dos que saem. Com caras de anjos, alguns adentram a Casa do Prazer são Judas Tadeu para pedir a benção à Madame Abigail. Outros, deixam o pecaminoso recinto e correm para pedir perdão ao pastor Tonhão. Obviamente que a ordem se inverte conforme a primeira porta está aberta.

No caso concreto, a briga ficou feia quando Deolindo Nonato, o prefeito local, resolveu liberar a construção em frente para a instalação de um centro de umbanda. Aí o bicho pegou. O problema maior consistia em tirar o caboclo de cima da mulher do irmão do líder da evangelização. Forte, peitudo, de calibre grosso e com cheiro aromatizante do modelo patchuli, o caboclo girava, girava e só parava quando a madame batia na porta para informar que ele havia estourado o tempo. Mantenedor da igreja, ogan do cangerê e gerente geral do similar do Bataclã frequentado no século passado pelo coronel Odorico Paraguaçu, Deolindo Nonato às vezes se via em palpos de aranha.

Isso ocorria sempre que o recolhimento do festejado dízimo coincidia com a obrigação de fazer o caixa decorrente das saliências e com o pagamento da fantasia usada semanalmente para virar o caboclo pegador. E tudo em uma única noite. Para não ser descoberto como político, rufião, pregador e comedor, Deolindo tinha de recorrer a Zelão Moska, enviado especial de Donald Trump, para escondê-lo no sarcófago emprestado por Silas Malafaia para mumificar Jair Bolsonaro. O resumo da ópera é simples: no cabaré de cego chamado Brasil por onde se anda encontramos políticos que só trabalham para nos deixar com os cabelos em pé, o sorriso amarelo, o pinto caído e o nariz de palhaço.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

 

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