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Movimento perigoso

Estreito de Ormuz vira peça nas mãos do Irã para movimentar o tabuleiro da guerra

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Autor/Imagem:
Marta Nobre - Foto Editoria de Artes/IA

Os Estados Unidos atacaram novamente o Irã. O mundo prende a respiração. O petróleo ameaça disparar. E o estreito corredor marítimo de Ormuz, por onde escoa quase um terço de toda a produção global de petróleo, volta ao centro do xadrez geopolítico mais perigoso do século XXI.

O regime iraniano, acuado pelo traiçoeiro ataque de Washington, já insinuou que poderá recorrer ao último trunfo: fechar o Estreito de Ormuz. É uma cartada perigosa, mas também da dissuasão. Teerã sabe que, ao bloquear a principal artéria energética do planeta, arrastará o mundo para uma crise de proporções colossais – econômica, diplomática e militar.

Ormuz não é apenas uma rota marítima. É um ponto de estrangulamento do sistema. Por ali passam as riquezas do Golfo Pérsico – de sauditas, kuwaitianos, emiratenses e do próprio Irã – destinadas à Ásia, Europa e América. O Irã tem meios de fechar temporariamente o estreito com o uso de minas navais, mísseis costeiros, drones e embarcações velozes de guerra. Mas isso seria o equivalente geopolítico a explodir a própria casa com os inimigos dentro.

China e Rússia agradecem
Se os EUA apostam na força para conter o programa nuclear iraniano e seus tentáculos regionais, China e Rússia veem na escalada uma oportunidade dourada. Pequim, maior comprador de petróleo iraniano, tenta ampliar sua influência como mediadora global e, ao mesmo tempo, garantir suprimentos energéticos para sua máquina industrial.

Já Moscou, com sua guerra contra a Ucrânia e sob sanções ocidentais, torce pelo caos nos mercados. Um barril a US$ 150 seria um alívio para o Kremlin – ainda que à custa da estabilidade global. Ambos, China e Rússia, jogam o jogo longo, com pontual erosão na hegemonia americana, fortalecer alianças paralelas e converter crises em poder geoeconômico.

E o Brasil?
Na contramão da rota de mísseis, está o Brasil, onde o impacto não seria simbólico, mas visceral. Com a alta nos combustíveis, veremos reflexos diretos no bolso do cidadão. O diesel mais caro pressiona o transporte de cargas, que encarece alimentos e esvazia o prato do trabalhador. O gás de cozinha voltaria a ser luxo. E a inflação, já resistente, ganharia novo fôlego.

Mas os impactos não param aí. O Brasil, historicamente comprometido com uma diplomacia de equilíbrio e mediação, enfrentaria um dilema diplomático. Como, por exemplo, permanecer neutro num mundo cada vez mais polarizado? Alinhar-se com os EUA pode significar trair o bloco dos BRICS, onde Rússia e China ditam o tom. Apoiar o Irã, mesmo que indiretamente, é preocupante.

A verdade é que a crise em Ormuz não é apenas sobre o Irã ou os EUA – é sobre a fragilidade da ordem global. Uma ordem onde o direito internacional é atropelado por mísseis, onde o petróleo ainda dita os rumos da história e onde potências do Sul Global, como o Brasil, são forçadas a navegar entre tempestades que não criaram, mas que as atingem em cheio.

Cabe agora ao Itamaraty fazer o que sabe de melhor, e que há tempos parece ter esquecido: articular com serenidade, apostar no multilateralismo e defender os interesses nacionais sem cair nas armadilhas ideológicas de um lado ou de outro. Porque no tabuleiro de Ormuz, não há vencedores. Apenas sobreviventes. Isto, se descartada uma eventual mortandade geral.

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Marta Nobre é Editora Executiva de Notibras

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