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Chama acesa

Entre o esquecer e o não sangrar existe o equilíbrio ético

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Autor/Imagem:
Emanuelle Nascimento - Foto Francisco Filipino

Na espessura dos silêncios cotidianos, há feridas que não sangram mais, mas ainda doem. As dores antigas essas que caminham conosco como uma sombra tênue nos dias ensolarados são como histórias mal resolvidas que habitam o corpo. O perdão, nesse cenário, não é um gesto nobre de quem se liberta com facilidade, mas um processo político e emocional de sobrevivência.

A fala do padre, carregada de afeto e lucidez, revela mais do que um conselho espiritual: denuncia uma prática cultural de negação. Vivemos em uma sociedade onde o perdão é romantizado, como se esquecer fosse sinal de evolução. Mas perdoar não é esquecer é lembrar sem deixar que a lembrança nos destrua.

Nas comunidades, nos lares, nas vielas e nos templos, o perdão é disputado entre o querer seguir e o não querer adoecer. Perdoar o suficiente para não doer é um grito de autocuidado. Mas lembrar o bastante para não repetir é resistência histórica. Não se trata de guardar rancor, mas de manter a memória como instrumento de proteção.

Quantas mulheres já perdoaram seus agressores para não desmoronarem emocionalmente diante da vida que ainda precisam sustentar? Quantos filhos já precisaram perdoar ausências para não enlouquecer? A dor, quando silenciada em nome da paz, vira adoecimento.

Nesta crônica do cotidiano, onde os corpos falam através do que já suportaram, o perdão deixa de ser milagre e passa a ser ciência: uma medida calculada entre o que nos liberta e o que nos ensina. Perdoar e lembrar, eis o equilíbrio ético de quem quer viver, mas não se apagar.

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