Moleques
Pode acreditar; é de pequenino que se torce o pepino
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Drago e Lupo, chamados pela galera, respectivamente, de Dragão e Lobinho (pelos que não tinham receio de levar uns cascudos) eram colegas de escola. Estudavam no mesmo internato exclusivo, caríssimo e, digamos, compreensivo e tolerante. Mas não eram amigos, longe disso. Antes, como óleo e água. Seus santos não batiam; mais precisamente, os dois moleques não gostavam do cheiro um do outro.
– Não vou com a cara dele – resumiam, com a simplicidade de garotos de 8 anos, quando perguntados sobre a inimizade.
Os dois estavam na mesma série, mas não tinham muito convívio, até porque estudavam em horários diferentes, Lupo de manhã e Drago à tarde.
O primeiro, moreno e forte, adorava esportes; o segundo, lourinho, esguio e de uma palidez quase doentia, cobria sempre o corpo, conseguira dispensa das aulas de Educação Física (repetindo, o colégio era compreensivo e tolerante) e passava suas horas livres na biblioteca, lendo pesados volumes sobre ocultismo. Devido a isso, Lupo estava entre os alunos mais populares, enquanto Draco era visto como um estranho no ninho.
A rixa começou nem eles sabem como. Um disse uma abobrinha, o outro respondeu com um vegetal equivalente, e logo passaram à fase das ofensas mútuas.
– Otário!
– Perdedor!
E combinaram sair na porrada às 18 horas, na quadra poliesportiva.
O curioso é que ambos já conheciam palavrões cabeludos, mas demonstravam um certo pudor em recorrer a eles. Era como se os termos de baixo calão fossem diminuí-los, reduzi-los ao nível da tigrada. Esta, por sua vez, ficou radiante pela perspectiva de assistir de camarote a uma briga de socos, que provavelmente resultaria em olhos pretos e perda de dentes (dos permanentes, de preferência; os de leite não tinham graça, caíam por qualquer coisinha).
Na hora marcada, os dois entraram no grande círculo improvisado pela molecada, Lupo de short e camiseta, Drago de mangas compridas e óculos escuros. Como fazem os combatentes desde tempos imemoriais, começaram por trocar insultos. Dessa vez, porém, não depreciavam o adversário, preferiam louvar suas respectivas linhagens.
– Meu pai é rico!
– O meu é mais!
Dupla bola fora. Para manter os rebentos naquele internato exclusivo, compreensivo e tolerante, os pais de todos os alunos tinham de ter bastante dinheiro.
– Minha família mora em um castelo!
– A minha também!
Verdade. Não faltavam castelos naquele trecho da Europa Oriental, em sua grande maioria caindo aos pedaços, em ruínas, mas castelos pra plebeu algum botar defeito.
Percebendo que o jogo estava empatado, um deles (não importa qual) apelou:
– Meu pai mata!!!
– Meu pai mata!!!
A repetição do verbo os conduziu ao paroxismo da raiva. Com a descarga de adrenalina, teve início a dupla transformação. Os caninos de Drago cresceram, os braços de Lupo cobriram-se de pelos. A tigrada arregalou os olhos, sem acreditar no que estava vendo.
A metamorfose não se completou. Percebendo que estavam à beira de conjurar poderes que ainda não eram seus, de revelar segredos zelosamente guardados havia gerações, os dois se controlaram, desistiram da briga e se afastaram, cada um pro seu lado. Drago, como sempre, seguiu sozinho, Lupo afastou com safanões os colegas ansiosos por parabenizá-lo por seu desempenho na briga e, em especial, por lhe perguntar por que diabo haviam crescido pelos em seus braços.
Dessa vez, não houve mortos nem feridos, mas o aviso estava dado.
Haveria novos confrontos entre eles, porém não mais entre um vampirinho e um filhote de lobisomem, e sim quando estivessem em plena posse de seus poderes. O ódio entre as duas espécies de bestas-feras era milenar.
E, se dependesse de Drago e de Lupo, continuaria vivo pelos séculos dos séculos, amém.