Sábado na praia
Tupi, apóstolo nordestino da espinha ereta, e os amigos de barriga-pneu e sangue doce
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A manhã de sol preguiçoso, com as gaivotas voando em ziguezague como bêbadas de brisa salgada, já batia na porta do meio-dia quando Tupi – o mestre da postura corpórea, o guru das escápulas alinhadas –, chegou ao Bar do Nêgo para dar sua aula magna sobre o nobre ofício de sentar-se com elegância.
Estava num esplendor que misturava Sócrates de sunga com uma pitada de yoga influencer. A coluna ereta como poste novo da antiga Celpe, o queixo levemente elevado na diagonal do pensamento superior, e os braços repousando com a simetria de um Cristo Redentor em miniatura.
– O segredo, meus amigos, é o core! – sentenciou, erguendo o copo com um café diferente, gelado, vindo lá das bandas de São João da Barra, com a mesma firmeza que um samurai empunha sua espada.
À sua volta, os devotos da gula e da glicose fingiam atenção. Zé do Coco, com a barriga servindo de travesseiro pro próprio queixo, mal ouvia entre um gole de cachaça e outro mergulho na Cioba. Totonho da Praia pescava com os olhos um camarão à milanesa que escapara da travessa como se fosse peixe vivo. E Careca do Baralho, mais interessado nas cartas marcadas que escondia no cós do short, balançava a cabeça afirmativamente, como quem dizia “sim, mestre”, mas pensava “será que a sardinha vai subir hoje?”.
Tupi, impávido, cruzava as pernas com a destreza de um bailarino do Bolshoi e prosseguia:
– A maioria das hérnias de disco nasce na ignorância da boa postura! O brasileiro vive curvo, não só no corpo, mas na alma! Somos o país da cifose ideológica!
– Verdade, Tupi… – murmurou Totonho, enquanto mastigava uma pata de caranguejo com o cuidado de um cão velho roendo um osso.
– Precisamos erguer o tórax, expandir os pulmões e… – fez uma pausa dramática para sugar ruidosamente o resto do café – …erguer o Brasil pela lombar!
– Esse aí tá tomando café ou cachaça? – cochichou Careca do Baralho pro Zé, que já examinava o cardápio como quem estudava a Bíblia.
Tupi então levantou-se lentamente, como se fosse um coqueiro esticando-se ao nascer do sol e, com o indicador em riste, apontou para o mar:
– Observem a linha do horizonte! Reta! Firme! Inflexível! Assim deve ser nossa coluna e nossa consciência cívica!
Mas ninguém o ouvia mais. Gabriel, gerente do Bar do Nêgo que se passava também por garçom para levar seus 10%, havia trazido uma porção de bolinho de bacalhau e uma cerveja estupidamente gelada. A mesa, como por mágica, transformou-se em culto pagão à glutonaria. Tupi sentou-se novamente, agora menos ereto, talvez contaminado pela letargia dos amigos ou pela segunda dose daquele espresso de São João da Barra.
– Vocês não prestam atenção… – disse, fingindo-se magoado.
– Claro que prestamos, Tupi. Só não conseguimos fazer igual – disse Zé, empurrando o prato.
– É que nossa postura é mais… democrática – completou Totonho, dando um tapinha na barriga para selar um acordo com o próprio corpo.
A tarde estendeu-se em mais uma epifania do mestre da espinha celestial. No bar a gravidade ainda reina soberana, enquanto a filosofia se curva, respeitosa, diante de uma boa porção de fritura.