Batida de bombom (II)
Amor aflora e Ingrid e Jojô , agora amantes, soltam a libido ao som Sam Cooke
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Chegaram ao apartamento por volta das 2h da madrugada. Ingrid foi pegar duas latas de cerveja e duas tulipas. Colocaram um CD no aparelho de som. A voz de Sam Cooke ecoou suavemente pelo pequeno apartamento da rua Voluntários da Pátria. Josiane, num ímpeto de voluptuosidade, talvez embalada pelo já não modesto nível alcóolico, tirou a amiga para dançar.
— Já que não temos um cavalheiro no salão, a senhorita aceita a próxima contradança?
— Com todo prazer, minha cara Jojô – Ingrid respondeu soltando uma gostosa gargalhada.
As duas amigas começaram a dançar, seus corpos, cobertos por vestidos longos, um azul piscina, outro vermelho com detalhes brancos, tremiam a cada roçar das coxas, as mãos se tocavam como as de duas meninas brincando de adoleta. Tudo se encaminhava para uma troca de carícias, o que não demorou a acontecer, inicialmente tímida, gradativamente foi ganhando desenvoltura, um beijo de selinho surgiu, entremeado de sorrisos marotos, até explodir num toque de bocas mais nervoso, excitando cada pedaço daqueles corpos sedentos de amor. Não era a primeira vez que Ingrid e Josiane sentiam o corpo de outra mulher, já havia acontecido algumas vezes no passado. As duas se amaram ternamente.
Despertaram por volta do meio-dia, se entreolharam e sorriram, talvez um pouco envergonhadas pelo ocorrido na noite anterior. Mas nada que durasse mais do que alguns míseros minutos, logo estavam tão íntimas que resolveram tomar uma ducha antes de fazerem o café da manhã. Ingrid ensaboou o corpo da amiga, que retribuiu o gesto. O beijo não demorou a acontecer, despertando os instintos mais carnais das duas. Era domingo… e o tempo não convidava para uma praia.
Prepararam um grande dejejum, digno de duas amantes apaixonadas. Comeram entremeadas de beijos, toques por debaixo da mesa. Josiane pegou uma ameixa e a colocou nos lábios carnudos de Ingrid. Esta não se fez de rogada, deu uma mordiscada e um sorriso maroto. Josiane pegou o que sobrou da fruta e a devorou.
— Nunca pensei que você fosse tão saborosa, Ingrid.
— Jojô, desse jeito você me deixa envergonhada.
E tudo era motivo de mais um beijo, mais uma carícia…
Enquanto preparavam o almoço, pincelavam o passado, ora com saudosismo, ora com despeito, ora com angústia. Esses sentimentos tiveram quando Josiane tocou em um assunto, esquecido há muito: a morte do professor José Carlos, da cadeira de Patologia Clínica.
— Você se lembra do professor Zé Carlos?
— Aquele que morreu?
— Ele mesmo.
— O que tem ele, Jojô?
— Ah, era um gato!
— É, isso era mesmo. Tinha um monte de alunas atrás dele. Mas por que você tocou no nome dele agora? Não vai me dizer que você também…
— É, saí algumas vezes com ele.
— Jura?
— Juro. E ele era o máximo! Pena que era um galinha.
— Ele saía com outras meninas?
— Sei que ele comeu a Graciele e a Renata.
— A Renata da nossa turma? Aquela que vivia falando pra Deus e o mundo que era virgem e coisa e tal?
— A própria. E você, Ingrid, nunca teve alguma coisa com ele?
— Eu? Por que eu teria?
— Ah, não sei… O Zé Carlos era tão atraente, todas as meninas tinham uma quedinha por ele.
— Não!!! Nunca saí com o Zé Carlos! Ainda mais porque na época eu estava namorando o Bernardo.
José Carlos foi encontrado após ficar alguns dias desaparecido. Os vizinhos reclamaram do mau cheiro vindo do apartamento do professor. O corpo foi encontrado caído no banheiro. Morreu afogado no próprio vômito.
— O Zé Carlos teve uma morte horrível, né, Ingrid?
— Nem gosto de lembrar. Por que a gente não muda de assunto?
— Desculpe, só estava lembrando… Você viu como o Vicente está bonito? Nem parece mais aquele ser de outro planeta.
— É mesmo. Se tem alguém que deu uma melhorada nesses dez anos foi o Vicente. Se bem que você está linda, Jojô.
Retiraram o suflê de espinafre do forno. Havia também arroz, frango grelhado e salada de alface, tomate e palmito. Brindaram com suco de uva, que beberam em cálices de vinho tinto.
À tarde, Ingrid pegou alguns álbuns de fotografia. Fotos do tempo de criança, fotos de viagens, fotos da turma da Rural. Algumas receberam atenção especial, comentários ora longos, ora nem tanto. Umas dessas foram as do tempo de faculdade, inclusive duas ou três onde aparecia o professor de Patologia Clínica, o que fez com que as amantes voltassem, por alguns minutos, não mais do que isso, ao assunto que tanto parecia desagradar a Ingrid. Outras foram passadas sem muito interesse, mereceram nada mais do que uma olhadela.
Depois de passarem um bom par de horas vendo as fotografias, Jojô deu um beijo surpresa na amiga, um típico beijo roubado, próprio dos casais enamorados. As duas deixaram-se levar pela excitação e voltaram a se amar no tapete da sala, ali mesmo onde até então se deliciaram com as imagens do passado.
— Jojô, e como vai a vida de casada?
— Ah, a gente vai empurrando com a barriga.
— Você ainda ama seu marido?
— Não, amar eu não amo. Até sinto certo desprezo por ele. Mas o que posso fazer? Abandonei a carreira quando engravidei, depois casei. Fui pegando gravidez uma atrás da outra… Hoje levo uma vida como a da minha mãe, que finge gostar do meu pai.
— E você ainda transa com seu marido?
— É aquela coisa, Ingrid… Ele me cutuca, eu abro as pernas, ele mexe um pouco, goza, dou uns gritinhos tipo “ai”, “ui” e pronto. Minha vida é isso.
— E você nunca o traiu?
— Duas vezes. Uma com o Fábio. Lembra do Fábio?
— Aquele que morava no Flamengo?
— É esse mesmo. Mas foi uma coisa rápida, não durou mais do que dois, três meses. Pensei que estava apaixonada, me enganei. Depois saí com um cara que vivia me cantando. Era até conhecido do meu marido. Saímos apenas duas vezes. E foi ótimo! Mas ele é casado… Não dava pra continuar. Mas e você? Aposto que tem um monte de homem atrás de você?
— Alguns… Não saio com alguém há mais de seis meses. O último foi um advogado.
— E?
— Não durou muito tempo. Ele é casado e, além do mais, não me satisfazia na cama – sorriu com um certo ar de deboche.
— Nossa, Ingrid, você é mesmo fogo! – e as duas gargalharam.
Havia uma cumplicidade entre as duas, própria de meninas, própria de mulheres.
— Mas você nunca pensou em se casar? – perguntou Josiane.
— Ah, não sei se conseguiria dividir minha vida com alguém. Gosto de liberdade, de não dar satisfação da minha vida pra quem quer que seja, e não apareceu alguém que mexesse comigo de verdade. Então, prefiro ficar sozinha até o meu príncipe encantado aparecer.
À noite, também ficaram juntas, não foram à rua, não queriam dividir o momento mágico que estavam tendo. Continuaram se amando de todas as formas que duas mulheres podem se amar. Dois corpos de mulheres vivendo momentos de adolescentes.
— Você tem um cheiro tão bom, Jojô!
— …
— Hum, e o seu gosto é melhor que sorvete de morango!
— Sorvete de morango, Ingrid?
— É que adoro sorvete de morango!
Já era de madrugada, Ingrid acariciava os longos cabelos da amiga, que estava com a cabeça em seu colo.
— Amanhã tenho de acordar cedo – disse Ingrid.
— Então, vamos dormir.
— Estou sem sono, Jojô.
— Pensando em quê?
— Em nada!
— Como você consegue pensar em nada?
— Estou pensando na vida, Jojô.
— …
— Você sabe por que nunca me casei?
— … – Josiane apenas balançou a cabeça negativamente.
— Jojô, eu tive um grande amor.
— E eu o conheço?
— …
— É alguém da Rural?
— …
— Ingrid, se você não quer falar, tudo bem. Você quer conversar sobre isso?
Ingrid olhou dentro dos olhos da amante e as lágrimas não demoraram a escorrer pela sua face.
— Ei, Ingrid, o que foi? Não fique assim, meu amor – Josiane encostou seus lábios nos da amiga.
— Não consigo deixar de pensar no Zé Carlos – confidenciou Ingrid, entre soluços.
Josiane ficou muda, estática. Ela não acreditava no que estava ouvindo. Ingrid tivera um caso com o professor José Carlos? Não era possível!
— Nós éramos namorados, íamos nos casar – continuou Ingrid.
Sim, Ingrid tivera um caso, ou melhor, mais que um simples namorico com o professor de Patologia Clínica. “Então era ela a tal mulher por quem Zé Carlos estava apaixonado”, pensou Josiane. Um frio percorreu sua espinha, ela não podia acreditar que estava vivendo tudo de novo. Sua expressão mudou de tal maneira que Ingrid chegou a perguntar se a amiga estava passando bem.
— Não… Estou bem. Só fiquei um pouco surpresa – Josiane tentou disfarçar.
— O Zé Carlos e eu íamos nos casar durante as férias da Rural. Ele até já tinha ido à casa dos meus pais. Todos na minha família já sabiam.
— Agora entendo o porquê de você ficar tão incomodada quando toquei no nome dele pela manhã.
— É… Fiquei relembrando tudo que aconteceu, a forma como ele morreu, como o encontraram – disse Ingrid entre um soluço e outro.
— Ei, Ingrid, isso já foi há muito tempo. Não é possível que você não tenha se apaixonado depois disso.
— Jojô, já saí com vários homens, alguns até bem interessantes, mas não consigo tirar o Zé Carlos da cabeça. Ele sempre aparece em meus sonhos. Eu ainda o amo!
— Mas você ainda é tão jovem… e tão linda.
– O que me vale ser jovem e linda se não tenho o homem que amo? Já pensei em me matar pra ficar perto dele, mas sou uma covarde.
— Você não é covarde. E deixa de bobagem, você não pode fazer uma loucura dessa. Onde já se viu uma mulher linda e cheia de vida como você querer fazer uma besteira dessas? Levante a cabeça, Ingrid!
Josiane abraçou a amiga, que chorou em seu ombro. Uma certa angústia tentou se instalar no coração de Josiane, mas foi logo afastada por uma estranha sensação de felicidade. Finalmente ela estava vingada!
….
O capítulo final será publicado no sábado, 12
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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