Elfos
O sequestro do ricaço Dorival ao sair de um restaurante
Publicado
em
Dorival era muito rico. Não bilionário, rico de marré de si, mas um rico de marré, marré, marré. Só que era tão abastado quanto infeliz, vivia solitário, sem amor, sem amigos. Um rico diabo bemtrapilho, na definição precisa de Guimarães Rosa.
Certa noite, ao sair de um restaurante, onde jantara sozinho, Dorival foi sequestrado. Sentiu braços fortes que o prendiam, uma leve picada, e depois mais nada. Ao acordar, sentia-se estranhamente bem, os músculos mais fortes, a cabeça lúcida, como se não tivesse bebido, na noite anterior, uma garrafa inteira de um excelente borgonha. Estava em um aposento com uma única janela, por onde entrava a luminosidade. Diante dele, um senhor em um terno impecável, com os cabelos bem cortados, mas que deixavam perceber orelhas levemente pontiagudas.
Dorival, que assistira a todos os filmes da série ‘O senhor dos anéis’, que devorara todos os livros do britânico J.R.R. Tolkien, que tantas vezes sonhara em viver aventuras na Terra Média, o identificou imediatamente, apesar dos trajes modernos: era um elfo.
– Bom dia, mortal – falou o desconhecido em um tom educado. – Devido a circunstâncias que um dia serão reveladas, mas não hoje, não agora, és um afilhado dos elfos. Mais precisamente, meu afilhado. Vais completar 60 anos, chegou o momento.
Dorival permaneceu em silêncio, boquiaberto, os olhos arregalados.
– Pesquisei tua vida. Não és feliz, apesar do teu dinheiro – prosseguiu o senhor. – Gostaria de oferecer-te uma nova vida, mais plena, muitíssimo mais longa.
– Na Terra Média? – balbuciou Dorival. – Ela existe mesmo?
– Ela existe em outra dimensão. Agora, poderás ter um vislumbre de nossa principal cidade nessa dimensão, onde viverás junto a teus irmãos mortais – abrigamos alguns, todos merecedores – e aos demais elfos.
E entregou a Dorival uma luneta. Olhando pela janela, ele viu uma cidade de sonho, com torres que terminavam em elegantes espirais e grandes espaços verdes.
Quando conseguiu recuperar-se dessa visão maravilhosa, ele perguntou:
– O senhor falou em uma vida muito mais longa…
– Sim, iniciamos ontem o processo de rejuvenescimento. Não te sentes bem, como fazia muito não te sentias?
Dorival fez que sim com a cabeça.
– Sinto dizê-lo, mas, fora de nossa cidade, o efeito será temporário. Nela, porém, receberás o tratamento completo, que vai recuperar tuas células. És mortal, partirás algum dia, mas não antes dos 240 anos.
E prosseguiu, num tom entusiasmado.
– Até esse momento, terás o vigor de um homem de 30 anos. E conviverás com elfos e elfas com milênios de experiência nas artes da sedução, nas artes do amor. E com mortais, de ambos os sexos, que aproveitaram bem nossas lições – deu um risinho. – Então, aceitas a proposta?
– Aceito!!!
– Maravilha. Só falta um detalhe. Precisamos de recursos para viajar pelo mundo dos homens, encontrar nossos afilhados e verificar se são merecedores da dádiva da vida longa e plena. Então, peço que transfiras todo os teus bens para a conta que vou indicar, de qualquer modo não precisarás de dinheiro na nossa cidade – e entregou-lhe um laptop.
Dorival acessou o seu banco e iniciou a operação de transferência. Já ia digitar a chave de segurança e a senha quando ouviu uma voz rouca:
– Pare! É cilada!!!
Em seguida, materializou-se junto aos dois um ser pequenino, feio pra dedéu, narigudo, de olhos esbugalhados e enormes orelhas de abano.
Dorival, que assistira a todos os filmes da série Harry Potter, inspirada nos livros da britânica J.K. Rowling, o identificou como uma versão menos fofinha do elfo doméstico Doby.
– Então o fiodeumaégua prometeu ao otário uma vida de sonho na cidade de sonho, né? Vamos ver a coisa de perto – e desmaterializou-se, junto com os dois. Os três se materializaram, um segundo depois, junto a um fundo verde, no qual eram projetadas – adivinhem – imagens de um dos filmes baseados nos escritos de Tolkien.
O pequeno ser prosseguiu, impiedoso:
– Quer dizer que o otário estava se sentindo bem, como fazia tempo não se sentia, né? O otário já ouviu falar em injeção revigorante? Foi o que lhe aplicaram, ontem à noite.
O elfo segundo Rowling encheu o peito de ar e concluiu:
– Mas essa farsa termina agora. O otário pode ficar tranquilo, pode acreditar em mim, vai continuar vivo, rico e infeliz – e enviou um raio que transformou em pó o elfo segundo Tolkien. E também Dorival, que estava bem perto.
Moral da história, não acredite em elfos. Ou são falsos como uma nota de três reais, ou mentirosos de pai e mãe e, além do mais, de péssima pontaria.