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O quase compadre

Joaquim, por motivo de força maior, faltou ao batizado em Brazlândia

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Tio João é um tipo incomum. Não que tenha poderes sobrenaturais ou algo assim, mas simplesmente porque sabe entreter familiares e amigos com histórias. E, sempre que possível, lá estou eu sentada diante dele, olhos arregalados, orelhas atentas e um leve sorriso nos lábios, pois sei que, não demora, meu parente mais ilustre vai estalar a língua e começar a contar um dos seus inúmeros causos.

Almoço de família, todos com os buchos cheios, eis que estávamos na enorme varanda da casa da minha mãe, quando tio João estalou a língua. Eu, que levava uma xícara de café aos lábios, tratei de repousá-la ao lado. Não tardou, titio começou a falar sobre uma situação que aconteceu há quase 40 anos na região rural de Brazlândia.

“Joaquim era quase meu compadre. Quase porque o meu amigo não teve tempo de batizar a Sônia, que já estava passando da hora de ter a cabeça molhada pelas mãos do padre. Chiquinha e eu tivemos que chamar às pressas o Tião ou, então, perigava da nossa primogênita virar pagã.

O homem era um touro, tinha saúde pra dar e vender. Ninguém imaginava que poderia acontecer algo com ele, ainda mais naquele domingo, já agendado para o batismo da Sônia. Mas nada do Joaquim aparecer. O que teria acontecido com ele?

Minha Chiquinha, que Deus a tenha, cuspiu marimbondos, falou horrores do Joaquim. Mas é lógico que se arrependeu depois, pois a ausência do quase compadre acabou sendo mais do que justificada. O meu amigo estava morto.

Morto e de morte matada. Não por desafeto, que Joaquim até possuía um ou dois. Foi por cobra venenosa. Sim, isso mesmo! E não pense vocês que era uma serpente qualquer. Naninanão! Era uma cascavel, com seu chocalho de fazer arrepiar até nuca de cabra metido a valente.

Quem viu o Joaquim ser picado foi a própria mãe, dona Anísia. A pobre mulher teve um piripaque e desmaiou na hora. Mas foi testemunha do fato ocorrido e, assim que voltou a si, encontrou o filho morto ao lado. Não se sabe se o Joaquim tentou acudir a mãe ou, então, se o veneno foi tão poderoso que matou o pobre coitado na hora.

A notícia se espalhou, até que chegou aos ouvidos das pessoas que estavam na igreja para o batizado da minha filha. Padre Alfredo não teve dúvida e trocou o batismo pelo velório, que varou madrugada adentro. Dona Anísia e Chiquinha foram as que mais choraram. A primeira porque perdera o único filho; Chiquinha por arrependimento do que havia dito sobre o Joaquim.

O enterro aconteceu bem cedinho no outro dia. E todo mundo que era parente ou amigo do Joaquim apareceu. E a cascavel, que não era nem uma coisa nem outra, também estava lá, talvez até com remorso da sua atitude. A bicha deu uma boa olhada, chacoalhou o guizo e, em seguida, se embrenhou no mato.”

Assim que terminou de contar o causo, tio João ergueu o rosto, como se essa lembrança lhe trouxesse sentimentos profundos. Não sei se alguém mais percebeu, mas os seus olhos estavam marejados.

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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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