Rapazes
Encontro da velha guarda no bar ao som de tango
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Carlos entrou no bar cantarolando o início de Adiós muchachos, um de seus tangos prediletos: “Adiós muchachos, compañeros de mi vida/Barra querida de aquellos tempos/Me toca a mi hoy emprender la retirada/Debo alejarme de mi buena muchachada…”
– Muchachada é feio pra dedéu – cortou Henrique, um dos muchachos. – Usa rapaziada. Fala português, porra!
– Tá legal – concedeu Carlos, com palavras da última flor do Lácio, seu idioma natal. – Mas é que esse tango me diz tanta coisa… Não sei se vocês sabem, perdi minha namorada e minha mãe, como é mencionado na canção.
– Sabemos, sim – retrucou Henrique. – Há 40 anos que você repete essa história quando nos vemos. A namorada hoje seria uma velhinha, e a senhora sua mãe estaria com uns 100 anos, por aí…
Carlos engoliu em seco. Quis mencionar outros versos marcantes, “Se terminaron para mi todas las farras/Mi cuerpo enfermo no resiste más” – porém olhou bem pros amigos e levou um susto. Ninguém bebia álcool. Nem uma cervejinha, só refrigerante e água mineral; nenhum deles fumava, nem do caretão nem do cigarrinho do capeta; estavam velhos, carecas, os pescoços enrugados, as mãos de alguns deles tremiam… Percebeu que terminaram as farras para todos eles, seus corpos enfermos não resistiriam. Teve um calafrio ao lembrar que era um dos mais jovens da turma, se não o mais novo.
– O que houve conosco? – perguntou-se em voz baixa.
– O tempo passou – respondeu André, outro prócer da muchachada. – E o tempo é uma pantera… – Mas é bom a gente se encontrar. Enquanto está vivo, enquanto consegue se lembrar do nome uns dos outros. E do próprio nome.
Carlos puxou uma cadeira e sentou-se junto aos velhos rapazes. Todos em silêncio. Dava uma felicidade melancólica usufruir assim, quieto, da companhia dos amigos. Lembrou noites alegres, cheias de risos, muita bebida e lindas mulheres. Tudo isso pertencia ao passado e se esfumava em sua memória, a cada dia pior.
O silêncio era ocasionalmente quebrado por tosses, pigarros e comentários do tipo “E fulano?”. As respostas eram lúgubres, “Morreu” ou “A família o internou em um asilo, a gente devia visitá-lo…”. Mas sabiam que não iriam.
Uma hora depois Carlos levantou-se, abraçou demoradamente cada um dos amigos, fitou-os bem fundo nos olhos e despediu-se com as palavras iniciais do tango, não cantaroladas, agora pronunciadas como um verso triste: “Adiós muchachos, compañeros de mi vida”. E foi embora. Todos tiveram certeza de que nunca mais o veriam.