Quase horror
Três da madrugada
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Edgar Allan Poe inicia o poema O corvo com os versos “Em certo dia, à hora, à hora da meia-noite, que apavora”, e por aí vai.
Só que ele se enganou. A hora fatídica, que causa terror, é outra: três da madrugada.
Às três da madrugada, o planeta como que hesita e quase se detém em seus movimentos. Sorte nossa, fica no quase.
Às três da madrugada, os relógios como que hesitam e quase se detêm em seu movimento. Sorte nossa, ficam no quase. E não adianta argumentar que se está em horário de verão, o coração vai apertar dentro do peito às quatro, às cinco, no horário astronômico das três em ponto. E o tempo vai prosseguir, inexorável, em sua marcha.
Às três da madrugada, os fantasmas se entregam a seu triste destino, à inglória tentativa de assustar os viventes. Já os monstros, esses correm soltos.
Porque essa hora é o meio exato da madrugada. Como ensina a canção Balada para mi muerte, de Horacio Ferrer e Astor Piazzolla, a madrugada, o período compreendido entre 0h01 e 5h59, “es la hora em que mueren los que saben morir”. Inquietante, não? E, de fato, alguém sabe morrer, está realmente preparado para a passagem?
A hora das três da madrugada é como que a síntese da “noite escura da alma” de que falaram são João da Cruz, poeta místico espanhol do século XVI, referindo-se ao casamento sagrado, ao encontro da alma com o Amado; e também Carl Gustav Jung, para quem a metáfora expressava o difícil e obscuro caminho da psique, às voltas com a revisão de seus erros existenciais. Talvez tenham razão – mas, a meu ver, essas palavras remetem a algo mais tenebroso do que isso.
Porque, repito, os monstros correm soltos. E nos visitam, em sonhos ou nos momentos de vigília. Percebi sinais perturbadores nas duas noites passadas, enquanto dormia; hoje, noite escura de insônia, os indícios mostram-se ostensivos desde as duas da madrugada. Seres horrendos, indescritíveis, se aproximam.
Escrevo estas linhas às 2h58, enquanto ouço batidas insistentes na minha porta e rosnados vindos do outro lado. É mais de um, talvez o nome deles seja legião. Mas ostentar conhecimentos bíblicos não vai mudar meu destino. É a noite escura da minha alma. Só espero que este texto sobreviva, não tenha a mesma sorte de minha carne e meu espírito.