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Praça

O Espelho da Humanidade

Publicado

Autor/Imagem:
Luzia Couto - Foto Francisco Filipino

Era uma tarde morna, daquelas em que o sol parece hesitar entre brilhar e se esconder, como se estivesse tão confuso quanto nós, humanos. Caminhava pela praça, onde crianças corriam atrás de pipas, um senhor alimentava pombos com migalhas de pão, e um grupo de jovens discutia, aos risos, sobre o último vídeo viral. Ali, naquele pedaço de mundo, a humanidade se desenhava em suas cores mais vivas e, ao mesmo tempo, mais contraditórias.

O ser humano é um bicho estranho, pensei. Capaz de construir arranha-céus que tocam as nuvens e, na mesma tarde, tropeçar no próprio orgulho. Somos feitos de sonhos altos e de quedas baixas, de gestos que salvam e de silêncios que machucam. Na praça, vi isso tudo: o menino que dividiu seu sorvete com a irmã mais nova, lambuzando a cara dela de felicidade, e o casal que, a poucos metros, trocava farpas em uma discussão que provavelmente nem lembrariam amanhã.

Somos assim, uma colcha de retalhos costurada com fios de bondade e egoísmo. Inventamos a roda, a penicilina, a internet, mas também criamos armas, muros e palavras que cortam mais fundo que facas. O ser humano é aquele que chora diante de uma música, que se revolta com uma injustiça, mas que, às vezes, fecha os olhos para não ver o que incomoda. Somos poetas e pragmáticos, heróis e covardes, tudo ao mesmo tempo.

Naquele instante, um velho sentou-se no banco ao meu lado. Ele segurava um livro amarelado, as páginas marcadas pelo tempo, e seus olhos pareciam carregar histórias que nunca seriam contadas. Perguntei o que lia. Ele sorriu, com aquele sorriso que só os anos sabem desenhar, e disse: “Um livro sobre nós. Sobre o que fazemos com o tempo que nos é dado.” Ele apontou para a praça. “Olha ali. Tudo o que somos está aí: o riso, a briga, a pressa, o afeto. A humanidade é um espelho que reflete o melhor e o pior.”

Fiquei pensando nas palavras dele. A humanidade é, de fato, um espelho. Nele, vemos a mãe que acorda de madrugada para cuidar do filho, o cientista que passa décadas buscando uma cura, o artista que transforma dor em beleza. Mas também vemos a ganância que destrói florestas, a indiferença que ignora o grito de quem sofre, o medo que nos faz erguer barreiras onde deveria haver pontes.

E, ainda assim, seguimos. Porque o ser humano, esse bicho tão imperfeito, tem uma teimosia admirável. Mesmo quando cai, levanta. Mesmo quando erra, tenta de novo. Naquela praça, vi o reflexo disso: a criança que caiu correndo atrás da pipa e se ergueu rindo, o casal que, após a briga, se abraçou em silêncio, e o velho que, com seu livro, ainda acreditava que valia a pena contar histórias.

Talvez seja isso, a essência da humanidade: a capacidade de ser tudo ao mesmo tempo, de carregar o caos e a poesia no mesmo peito. Somos o que construímos e o que destruímos, o que amamos e o que tememos. E, enquanto o sol se punha naquela praça, tingindo o céu de laranja, percebi que o ser humano, com todas as suas contradições, é a própria tentativa de dar sentido ao infinito.

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