Jogatina escolar
Crianças precisam de proteção (…sempre)
Publicado
em
O Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro (ECA) é uma das mais avançadas senão a mais avançada legislação de proteção às crianças e aos adolescentes do mundo. Mas não basta ter uma boa lei para que ela efetivamente funcione no sentido de mudar comportamentos, pois o mais importante de uma lei é que ela seja eficiente para evitar que as proibições ali elencadas aconteçam.
Ao assistir a um quadro do programa da Rede Globo Domingão do Huck me deparei com uma situação que, em minha opinião, se não contraria o ECA, o estatuto deveria ser modificado para evitar que aconteça. Trata-se do quadro Pequenos Gênios, em que crianças e pré adolescentes formam equipes que se enfrentam, frente às câmeras, em provas que desafiam a inteligência com questões de matemática, português e outros. Nada contra a existência de programas e projetos que trabalhem altas habilidades das crianças, mas da forma que ocorre, estimulando a disputa, o confronto, programas como o referido acima podem ser prejudiciais à formação da personalidade dos pequenos.
A fase em que os participantes do programa está é de fundamental importância na formação da personalidade e do caráter, e são determinantes para a concretização dos comportamentos destes quando adultos. Desta forma, este tipo de exposição a disputas em troca de prêmios podem comprometer o desenvolvimento destas crianças, ao se exporem à concorrência que determinará quem ganha e quem perde dinheiro.
Não raro durante as provas são vistas crianças assustadas, com mãos a tremer, e as vezes ocorre de algumas até chorarem quando não conseguem superar algum desafio proposto. Estudos recentes têm demonstrado que disputas tipo “faz de conta” são consideradas saudáveis e estimulam as crianças. Porém, o que ocorre no programa Pequenos Gênios é uma disputa por dinheiro, em que uma equipe se sagra vencedora e recebe um valor pecuniário, e as demais são perdedoras, com todo o peso simbólico que isto significa.
Imaginemos como ficam estas crianças que não conseguem vencer e perceberem que frustraram o desejo dos pais e que foram um fracasso. São questões muito sérias envolvidas neste tipo de jogo, que perturba de forma profunda a psique das crianças, que desde cedo são lançadas em ambientes de disputa, ambientes que negam a solidariedade e a coletividade, mesmo considerando que são equipes, pois ao fim e ao cabo, são grupos contra grupos, e somente um sai vencedor, e os demais, por melhores que tenham sido, são perdedores.
Considero muito triste que pais incentivem seus filhos a participarem deste tipo de programa, provavelmente visando ganhos financeiros, uma lástima derivada do modelo econômico que privilegia o individual em detrimento do coletivo em troca de dinheiro, contribuindo para construir um ambiente em que derrotar o outro é condição para alguém se afirmar.
As disputas e os desafios são condições da vida humana, mas é necessário se ater à forma de como moldar os comportamentos, para que eles se coloquem de forma positiva e proativa em ambientes hostis como o ambiente de jogos. A meu ver, este tipo de programa não contribui, pelo contrário, vai de encontro à construção de ambientes saudáveis à saúde mental e física dos pequenos participantes.
……………………………
Antonio Eustáquio é correspondente de Notibras na Europa