Descaso total
Rede hospitalar pública deixa saúde e povo nordestinos mais doentes
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Em hospitais de diferentes estados do Nordeste, a falta de materiais básicos tem comprometido a rotina de profissionais da saúde e colocado em risco a vida de pacientes. Relatos de escassez de luvas descartáveis, seringas, aventais, lençóis hospitalares e até equipamentos simples, como termômetros, se repetem em unidades de atendimento de médio e grande porte.
A situação é mais crítica em cidades do interior, onde a dependência do sistema público é quase total. Em um hospital municipal no sertão da Paraíba, enfermeiros relataram que precisam improvisar com materiais reutilizados para garantir a continuidade de procedimentos.
“Já chegamos a ter que dividir um kit de proteção entre dois setores, porque não havia estoque suficiente. Isso coloca em risco tanto os pacientes quanto os profissionais”, afirma Luciana Gomes, técnica de enfermagem em Patos (PB).
De acordo com sindicatos da categoria, os atrasos em licitações, a má gestão de recursos e a dependência de repasses federais estão entre os principais fatores que explicam a crise. O problema, no entanto, não se restringe à falta de insumos: a ausência de manutenção adequada em equipamentos também agrava o quadro.
O resultado é a superlotação de enfermarias, a suspensão de cirurgias eletivas e a dificuldade em atender casos de emergência. Em Pernambuco, um levantamento feito pelo Conselho Regional de Enfermagem apontou que, em 2024, 38% das unidades públicas fiscalizadas apresentaram algum tipo de desabastecimento de utensílios básicos.
Para a aposentada Maria José Ferreira, 67 anos, a escassez de materiais em um hospital de Fortaleza atrasou o tratamento do marido, que aguardava uma cirurgia de vesícula.
“Disseram que não havia luvas cirúrgicas adequadas e que seria arriscado. Tivemos que esperar mais de um mês”, relata.
O médico sanitarista Rafael Nóbrega, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), alerta para o impacto dessa realidade no cotidiano da saúde pública:
“A falta de equipamentos compromete não apenas a eficiência do atendimento, mas a dignidade do paciente. É uma questão de direitos humanos.”
Governos estaduais afirmam estar ampliando esforços para normalizar os estoques. A Secretaria de Saúde da Bahia informou que, em 2025, foram investidos R$ 45 milhões na compra emergencial de insumos hospitalares, além da implementação de um sistema digital para monitorar estoques em tempo real.
Enquanto isso, profissionais seguem recorrendo a redes de solidariedade. Em Alagoas, um grupo de médicos lançou uma campanha para arrecadar aventais e máscaras, distribuídos a unidades de pronto atendimento.
Especialistas concordam que a solução não passa apenas pela reposição emergencial, mas por uma política de gestão eficiente e investimentos constantes.
“É um problema estrutural. Se não houver planejamento, a falta de utensílios continuará sendo uma chaga crônica da saúde pública nordestina”, conclui Nóbrega.