LADO B DA LITERATURA
BERILO NEVES – O GENERAL PULP FICTION
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Há algumas semanas publiquei aqui no Café o Lado B de Murilo Rubião, mestre do realismo fantástico. Em conversa com colegas de redação, surgiu outro nome que merece resgate: Berilo Neves, pioneiro da ficção científica brasileira e autor que flertava com o universo que mais tarde seria batizado de pulp fiction.
Nascido em Parnaíba, Piauí, em 1899, e falecido no Rio de Janeiro, em 1974, Berilo transitou por diferentes gêneros: prosa humorística, poesia, crônica, textos jornalísticos de grande densidade literária e, sobretudo, narrativas que desbravaram o terreno ainda virgem da ficção científica no Brasil.
Sua trajetória começou no jornalismo local nos anos 1920. Formado em farmácia, ingressou no Exército, caminho incentivado pelo pai como garantia de ascensão social. A carreira militar o levou à então capital federal, onde se aproximou de círculos culturais e passou a colaborar em veículos como Jornal do Comércio e revistas célebres de sua época, entre elas Fon Fon, Careta e O Malho.
Berilo tornou-se best seller. Seus livros humorísticos, especialmente a série Língua de Trapo, venderam milhares de exemplares. Ali, ele abusava do sarcasmo com definições irônicas que divertiam e escandalizavam o público, sobretudo o feminino, que era paradoxalmente seu maior contingente de leitoras. Um exemplo:
“Beijo: cusparada amorosa, modo prático de transmitir tuberculose. Viúvo: vítima ilesa do acidente a que se chama casamento. Poeta: sujeito que namora as musas, solteironas pobres que habitam o Parnaso, espécie de pensão grega.”
Casado em 1938 com Maria Souza Costa, filha do então ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Artur de Souza Costa, foi pai de três filhas: Estela, Rita Maria e Maria Lúcia.
Sua tentativa de ingressar na Academia Brasileira de Letras em 1940 rendeu um episódio pitoresco. Embora fosse genro de um poderoso ministro, perdeu a disputa para Manuel Bandeira. O acadêmico Ataulfo de Paiva, cuja influência era decisiva, recusou-se a apoiá-lo e justificou: “Esperava que o Souza Costa viesse me pedir voto para o genro. E ele não veio. Se nem o sogro se interessa por ele, não sou eu que vou me interessar.”
Foi professor de química do Colégio Militar do Rio e chegou a General do Exército. Após a reforma, dedicou-se a atividades empresariais e foi presidente do Touring Club do Brasil.
Hoje, sua obra está fora das livrarias, mas não da memória. Universidades e pesquisadores têm redescoberto sua importância como precursor da ficção científica e como cronista de uma época. Seu neto, morador do Rio, contou ao Café Literário que a família ainda recebe pedidos de acesso ao acervo, embora disponha de pouco material.
Eis o paradoxo: Berilo Neves foi um autor popular, lido por milhares em seu tempo, mas acabou soterrado pelo esquecimento editorial. Talvez tenha chegado a hora de recolocar seu nome no lugar que merece — não apenas como o “general pulp fiction”, mas como um dos pioneiros da literatura moderna no Brasil.
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Cassiano Condé, 82, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.