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Vestir inteireza

Versos que Me Sustentam

Publicado

Autor/Imagem:
Luzia Couto - Foto Francisco Filipino

Escrevo porque, se não o fizer,
minha alma se desfaz em poeira de silêncio.
Cada dia sem palavras é um passo a mais
num labirinto onde me perco de mim.
E ninguém nota.
Ninguém pergunta.
Aprendi a vestir inteireza
mesmo quando sou feita de fragmentos invisíveis.

Sento-me no mesmo refúgio de sempre,
aquele banco que conhece meus suspiros,
de frente para o rio que carrega segredos,
como se entendesse o peso de seguir
sem jamais parar para chorar.
Ali, onde o mundo não exige explicações,
deixo que as palavras me libertem,
sem moldura, sem maquiagem,
porque não busco beleza
busco espelhos.

Almejo que alguém, mesmo que seja só um,
me leia com o coração aberto,
e sinta o mesmo arrepio que me atravessa
quando escrevo com a pele da alma.
Não escrevo por louros,
nem por elogios bordados.
Escrevo para que alguém diga:
“Eu também senti isso,
mas nunca soube como expressar.”

Quero que alguém pare num verso,
e sem saber por quê,
seus olhos se encham de lágrimas,
que não vem da chuva,
mas da memória.
Escrevo porque tocar com palavras
é a única forma que conheço
de abraçar alguém sem invadir,
de amar sem pedir licença.

Aprendi a sorrir para não pesar,
a calar para não incomodar,
e parecer forte
porque a fragilidade apavora.
Mas quando escrevo,
não há máscaras.
Há carne exposta,
há cicatrizes que ainda sangram,
há verdade
e nessa verdade, eu me reconheço.

Às vezes, palavras brotam sem aviso,
como se uma parte de mim,
mais antiga, mais sábia,
me soprasse versos do fundo do ser.
E ao relê-los, percebo:
era eu tentando me salvar
com a tinta do próprio coração.

Há noites em que escrevo chorando,
não por um motivo específico,
mas porque o acúmulo de tudo
precisa escapar.
Se não escapa, me afoga.
Se me afoga, me apago.
Por isso escrevo
para respirar.

Cada verso é um fio que me costura,
um espaço onde posso existir
sem me justificar.
Escrever é meu ato de resistência e vida,
a prova de que ainda estou aqui,
mesmo que às vezes
eu só saiba amar com palavras,
nunca com gestos.

Não sei se já fui amada
do jeito que meu silêncio precisa.
Aquele amor que não exige tradução,
que apenas senta ao lado
e permanece.
Talvez por isso eu escreva
para inventar esse amor com letras,
para não perder a esperança
de que alguém, em algum lugar,
leia até o último verso
não por curiosidade,
mas por necessidade.

E se essa pessoa não existir,
não importa.
Porque ao escrever,
eu me escuto.
E no meio da ausência,
eu me abraço.

E se um dia eu partir,
não me procurem em retratos.
Me encontrem nos versos.
Porque ali estou inteira.
Ali sou voz.
Ali sou abraço.

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