Coisinha pouca
André, quem diria, gostava de tango
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André, quem diria, gostava de tango. Isso no início dos anos 1970, após a revolução do rock e do tropicalismo e no tempo do despontar de obras-primas da MPB. Aos 17 anos, o rapaz curtia tudo isso, mas também havia devorado a vasta coleção de long-plays do avô, tiete de Gardel e outros expoentes da canción porteña. E foi ao ouvir um tango clássico, Nada más, que ele encontrou uma solução para seu maior problema na época: como convencer as menininhas que namorava/com que ficava a aderir à sacanagem ampla, total e irrestrita.
O estopim foi a magnífica estrofe inicial da composição: “No quiero nada, nada más, que no me dejes, frente a frente, con la vida”. Foi em frente, e percebeu que o tanguero pedia outras cositas: “No quiero nada, nada más, que la mentira de tu amor, como limosna”. Pensou, “mentira do teu amor, como esmola, para a atleta não o deixar, é dose pra cavalo”. O adolescente não queria um amor eterno, um amor verdadeiro, e muito menos esmola; queria apenas satisfazer às ordens de seus hormônios. E disse a si mesmo:
– A próxima gatinha que eu beijar, recito os versos iniciais de Nada más. Ela se derrete toda, e aí eu peço umas coisinhas. Coisinha pouca: ver peitinhos, acariciar peitinhos, e daí pra frente, até onde ela topar. Nada mais. Não custa tentar.
Tentou – e funcionou. As garotas se derretiam com o “frente a frente, con la vida”, achavam lindo, e topavam o namoro mais pesadinho. Ou então eram seus hormônios, igualmente em ebulição, que davam o sinal verde, vai saber. As noites de André ficaram muito mais excitantes, e ele, muito mais satisfeito. (Feliz seria demasiado.)
E então o rapaz conheceu Lola, recém-chegada a sua escola. Era um ano mais velha que ele, e mais, importada de Buenos Aires. “Deve conhecer tudo de tango”, pensou o brazuca. Mas não teve como averiguar. Quando namoravam, só havia tempo para beijos tórridos, e amassos nos conformes.
Certa tarde, ao sair da escola, Lola convidou André a encontrá-la no apartamento de uma amiga mais velha. Às oito horas. Ele chegou exatamente na hora; a porta estava entreaberta. Entrou, e não viu a guapa. Esperou, ansioso, até a porta de um quarto se abrir e Lola surgir, somente de calcinha e sutiã, cantarolando:
– No quiero nada, nada más, que no me dejes, frente a frente, con la vida.
Surpreso, ele sorriu, começou a despir-se e cantou os versos seguintes:
– Me moriré si me dejás, porque sin vos no he de saber vivir.
Foi a vez de Lola se surpreender. Mas ficou em silêncio, com um sorriso nos lábios, e o ajudou a tirar a roupa. Por sua vez, ele removeu rápido as peças da parceira.
Foram para a cama. Ele perdeu a virgindade embalado pelos versos de Nada más. Não foi apenas isso, nada mais, nem coisinha pouca; foi a realização dos sonhos de um moço de quase 18 anos.
Meses depois, quando Lola e André se separaram (amores jovens são fugazes), ele não morreu, contrariando a promessa dos versos do tango. Deu de ombros e seguiu adiante. Havia muito mais a explorar, a encarar, frente a frente con la vida.