Trégua ou jogo de cena?
Trump muda o tom em relação ao Brasil depois de Lula falar grosso
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Na memória recente da política internacional, ficou marcada a frase de Barack Obama ao chamar Luiz Inácio Lula da Silva de “o cara”. Agora, quem surpreende é Donald Trump. No discurso desta terça-feira (23), na Assembleia Geral da ONU, o republicano descreveu Lula como “legal” e anunciou uma reunião com o presidente brasileiro para a próxima semana. A declaração sinaliza um possível realinhamento, após meses de tensão, tarifas pesadas e sanções impostas contra autoridades brasileiras. Mas seria esse gesto o prenúncio de uma mudança de rota ou apenas um capítulo estratégico no teatro da diplomacia?
O governo Trump havia endurecido contra o Brasil, impondo tarifas de até 50% a produtos nacionais e sancionando figuras centrais, como o ministro do STF Alexandre de Moraes e familiares de autoridades envolvidas no processo contra Jair Bolsonaro. Lula reagiu com firmeza, denunciando as medidas como arbitrariedades e um ataque direto à soberania nacional. A relação parecia caminhar para um impasse prolongado.
No entanto, o tom adotado por Trump em Nova Iorque sugere uma tentativa de descongelar a relação. Ao declarar que “gostou” de Lula e que prefere negociar com pessoas de quem gosta, o presidente dos Estados Unidos deixa entrever a possibilidade de abrir espaço para o diálogo. O anúncio do encontro bilateral amplia essa percepção. Embora as tarifas e sanções ainda estejam em vigor, a agenda de negociações indica que Washington pode testar uma trégua parcial, sobretudo se houver ganhos comerciais e geopolíticos envolvidos.
Para o Brasil, um gesto de aproximação tem impacto direto no tabuleiro político interno. Lula pode apresentar-se como estadista capaz de impor respeito e dialogar de igual para igual com os Estados Unidos, mesmo após as medidas unilaterais hostis. Já o bolsonarismo perde fôlego: parte de sua narrativa sustentava-se na proximidade pessoal entre Bolsonaro e Trump. Se o republicano se dispõe a sentar com Lula, reduz-se o espaço para o discurso de que apenas Bolsonaro seria o interlocutor legítimo de Washington.
Ainda assim, cautela é necessária. Trump mantém o discurso de que as tarifas são um “mecanismo de defesa” dos interesses norte-americanos. Não há, até aqui, garantias de que medidas concretas de alívio serão tomadas. O encontro pode resultar em avanços, mas também pode ser apenas uma encenação diplomática para suavizar tensões sem ceder substancialmente.
A mudança de tom de Donald Trump em relação a Lula marca um ponto de inflexão no diálogo entre Brasil e Estados Unidos. O gesto é simbólico, carrega peso político e abre a porta para possíveis revisões nas tarifas e sanções. No entanto, o jogo ainda está em aberto: pode ser tanto o início de um desarmamento diplomático quanto mais uma jogada retórica. Para Lula, o simples fato de se sentar à mesa já é vitória simbólica; para o bolsonarismo, uma derrota narrativa. O que está em disputa, mais do que tarifas ou sanções, é a definição de quem será, no tabuleiro político brasileiro, o verdadeiro “cara” aos olhos de Washington.
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Marta Nobre é Editora Executiva de Notibras