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Ela chegou

A Primavera, estação das flores, promete ser multicolorida

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Autor/Imagem:
Tania Miranda - Foto Francisco Filipino

E chegamos à primavera, a Estação das Flores… passamos por todo o Inverno, onde o frio é a marca registrada… o fim de um ciclo e o começo de um novo… é quando a Natureza se renova, dando-nos a graça de apreciar a beleza que o mundo nos oferta… pena que nem sempre estamos dispostos a aceitar esse presente tão lindo… pois estamos de tal forma envoltos em nossos problemas pessoais… picuinhas que em nada influenciam na vida… que ficamos cegos, nos privando de admirar tudo aquilo que o Universo nos proporciona…

Nossa gana de vencer na vida, seja lá o que isso quer dizer, nos faz mesquinhos de tal forma que acabamos por não apreciar as coisas simples que o Mundo nos oferece. Quantas vezes um pássaro cantou em nossa janela e nós, tão absortos em resolver problemas que nós mesmo criamos, sequer percebemos a presença da avezinha que veio nos presentear com sua beleza natural? Pois não existe nada mais belo que o can-to dos pássaros, festejando a Vida e a Natureza…

Estamos de tal forma fora de sintonia com a Vida que, se em nosso quintal tiver um pedacinho de terra e neste nascer qualquer tipo de planta que consideremos não importante para nós, imediatamente a arrancamos, ceifando sua vida. E para que não tenhamos que sujar nossos lindos pezinhos com a lama que a chuva provavelmente fará, tratamos de cimentar o local… sim, não queremos encontrar terra molhada… afinal, não podemos enlamear nossos sapatos, nem o átrio de nossa casa… afinal, limpar dá muito trabalho, não é mesmo?…

Vivermos na Cidade nos faz perder a sintonia que tínhamos com a terra. Quanto mais tempo afastados da vida simples do campo, mais insensíveis à Natureza nos tornamos. Eu sei disso. Vivi esses momentos em minha infância e, no correr do tempo, fui percebendo a Natureza se deteriorar a minha volta…

O bairro onde moro desde minha primeira infância mudou muito com a passagem dos anos. Há anos atrás essa era uma região dominada pelo verde, onde você tinha flores e frutos em abundância, todos ofertados graciosamente pela Natureza. Você não precisava plantar… bastava cuidar para que a floresta permanecesse a salvo da ganância humana. Tínhamos frutos variados… maracujá roxo, doce como mel… bem diferente do maracujá branco, que é azedo… juás, amoras brancas, ameixas (que algumas pessoas insistem em chamar de nêsperas), morangos, tuncum, gabiroba, ananás… tudo em estado selvagem, crescendo em meio à vegetação cheia de flores de todos os tipos e perfumes… rosas, palmas, dálias, sempre vivas, girassóis, hortênsias… sim, aqui era o Paraíso na terra…

Quando a Primavera se anunciava e as primeiras chuvas caiam, a gente ouvia o coaxar dos sapos, moradores das lagoas e regatos que existiam em abundância a nossa volta. De vez em quando uma serpente até invadia nossos lares, mas aqui era o ambiente delas. Claro que pagavam caro por sua ousadia, sendo mortas sem peso na consciência. Afinal, eram venenosas. E se houvesse um acidente envolvendo tais bichos peçonhentos, a morte era quase certa. Mas não havia tanto encontro com estas. Acredito que em toda a minha vida tivemos o desprazer de cruzar nossos caminhos no máximo umas duas ou três vezes, se tanto…

O gostoso desse mundo selvagem no qual cresci eram os formigueiros construídos pelas saúvas. Esses eram nossos alvos favoritos… afinal, na primeira trovoada da primavera havia a revoada das Içás, ou Tanajuras, como a maioria das pessoas conhece. Bem, nesse dia era festa por toda a região. Todas as crianças e mulheres seguiam em direção aos formigueiros com uma lata ou um balde e iam “colher” as Iças que ainda estavam saindo de seu antigo ninho. Essas criaturinhas viravam ingrediente de uma farofa à base de farinha de mandioca e eram consumidas vorazmente… não sei se teria coragem de comer tal acepipe nos dias de hoje, que estou mais civilizada. Mas, em minha infância, não tinha iguaria mais apetitosa que esta. Mesmo porque era algo para ser consumido apenas uma vez por ano…

Toda a redondeza ficava enfeitada com as flores da região… tanto as plantadas nos quintais quanto aquelas que cresciam no meio da mata. E as pessoas cuidavam da Natureza. Naquela época a comida era feita no fogão de lenha, mas as pessoas, quando iam colhê-la, davam preferência à madeira já caída pelo vento ou pela idade… pegavam somente a lenha já seca, para os afazeres do dia a dia…

Sim, havia respeito pelo mundo selvagem que existia ao nosso redor. Vivíamos em sintonia com aquilo que a Natureza nos ofertava. A água pura da fonte, as ervas que serviam de remédio para diversos males, as ervas usadas como verdura, que eram parte do nosso cardápio… sim, a Natureza nos proporcionava praticamente tudo aquilo que precisávamos para sobreviver. Sim, se caçava animais para incrementar nossa refeição, mas respeitávamos a vida ao máximo. Cuidávamos dela como o bem precioso que realmente é… e ela, em troca, nos fornecia aquilo do que necessitávamos.

Mas o progresso foi chegando. Pouco a pouco as árvores foram sendo derrubadas, dando lugar a prédios, tanto industriais quanto residenciais. Os mananciais foram sendo soterrados, afinal, as minas estavam atrapalhando o avanço do progresso. E com essa nova mentalidade, as pessoas começaram a se desligar daquele sentimento primitivo. E passaram a auxiliar na destruição daquilo que era seu patrimônio mais importante. Chegou um momento em que a gana por cimentar tudo para que não se sujasse nem os pés nem a casa virou febre entre todos… e hoje, ao invés de termos pequenas poças imitando lagos depois da chuva, quando a grama emanava um perfume gostoso e as libélulas ficavam a brincar entre suas folhagens, hoje temos apenas inundações, pois a água que vem do céu não encontra mais escoadouro entre a terra…

Chegamos à Primavera… ainda temos alguns pés de flores plantados em poucos lugares… mas o zum-zum das abelhas não é mais ouvido a muito tempo. Ainda temos um pouco de vegetação nas margens da represa, próxima a minha casa. Mas que com certeza não resistirá ao avanço do progresso nos próximos anos… afinal o Córrego Azul que cortava minha região acabou se tornando apenas nome de rua, lembrado apenas por pessoa que viveram em outra era, que tiveram o prazer de ver os guaruzinhos crescerem na pequena lagoa que se tornava um regato e desaguava na represa que acabei de citar. O taboal que existia onde esse córrego nascia a muito foi drenado, dando lugar a um hospital que poderia muito bem ser construído em outro local, sem necessidade de destruir algo tão importante para a vida…

Chegamos à Primavera. Rezo a Deus todos os dias, pedindo a Ele que as pessoas acordem de seu estado letárgico e percebam que, se continuarmos por esse caminho onde apenas destruímos a Natureza em busca de uma quimera que em nada nos auxiliará, estamos nos condenando e aos outros moradores desse Paraíso no qual estamos inseridos à extinção…

Que esta Primavera que ora se inicia toque o coração das pessoas e que elas se apercebam de que, sem a Natureza, nada somos além de zumbis vagando pela escuridão até cairmos no Precipício sem Fim…

Que todos percebam que, sem a vegetação que tão insistentemente cresce a nossa vol-ta, nosso destino será o Esquecimento… pois uma hora a Natureza se cansará de ten-tar nos salvar de nós mesmos…

E chegamos à Primavera…

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