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Nós somos o mundo e Gaza faz parte dele
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Ouvi na play list do Deezer, na tarde de terça-feira, 7, uma música que me transportou há quarenta anos. Era um coro de vozes que se erguia contra a fome na África. Michael Jackson e Lionel Richie compuseram uma prece laica, cantada em uníssono por artistas de todas as cores e continentes. “We are the world, we are the children”, diziam, lembrando que a Terra é uma só casa, e que, quando um cômodo queima, todos respiramos a fumaça.
Hoje, porém, Gaza arde. E o mesmo mundo que chorou pela África assiste à ruína pela tela do celular. As crianças continuam morrendo, só mudaram o endereço e o sotaque dos gritos. O pão ainda falta, as mãos ainda tremem, os escombros ainda sepultam sonhos. E o refrão permanece atual: “Há uma escolha que estamos fazendo — estamos salvando nossas próprias vidas.”
Será mesmo?
Parece que a humanidade desaprendeu a escutar seu próprio hino. “Nós somos o mundo” virou um slogan gasto, repetido entre selfies e discursos diplomáticos. Os que governam preferem calcular riscos políticos a medir a dor humana. Os que observam, dividem-se entre hashtags e omissões. E os que sofrem não têm tempo para metáforas.
Mas a canção resiste. Porque o que Richie e Jackson escreveram não foi apenas uma música; foi um espelho. E o reflexo, hoje, mostra Gaza, um território exaurido, onde o verbo “viver” virou sinônimo de “sobreviver”.
Se outrora o mundo se uniu por um continente devastado pela fome, por que agora não se une por um povo inteiro sufocado pela guerra?
Se éramos “um só mundo” quando a África chorava, por que nos tornamos vários mundos quando Gaza sangra?
Talvez tenha chegado novamente “o momento em que atendemos um certo chamado”. Não o de uma causa política, mas o da compaixão humana. O mesmo que fez vozes se unirem nos anos 80, pode fazer corações se moverem agora. Gaza precisa não apenas de doações, mas de consciência, de empatia, de paz.
Porque enquanto houver uma criança chorando sob os destroços, nenhum de nós pode cantar com orgulho “Nós somos o mundo.”
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José Seabra é Diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras
