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Fantasmas roedores

Congresso vira reduto dos ratos das emendas

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Autor/Imagem:
Arimathéia Martins - Foto de Arquivo

Casas cujos assentos normalmente passam de pais para filhos, irmãos, netos, sobrinhos e concubinas, a Câmara e Senado estão mais para redutos de almas penadas e sociedades de leis negociadas e de interesses próprios. Ou seja, casas do povo é só uma figura de linguagem, algo feito para inglês ver. Como poucos são os brasileiros que ainda acreditam no que seus integrantes fazem e muitos sabem que as excelências eleitas aparecem às terças-feiras e desaparecem às quintas-feiras, seria de bom alvitre rebatizá-las de casas de assombrações. Talvez um cemitério de mortos bem vivos.

É claro que essa probabilidade é apenas teórica, pois, ao contrário de fantasmas, o Congresso está infestado de ratos. Nós, os eleitores, somos os patos. Absolutamente ineficiente quando chamado para trabalhar pelo país e pelo povo, o Parlamento brasileiro é a verdadeira eficiência nos momentos em que se reúne para prescrever e estipular vantagens exclusivamente pessoais. É a prova do que, em vida, dizia sempre o jornalista e crítico Millôr Fernandes: “Isso sim é um Congresso eficiente! Ele mesmo rouba, ele mesmo investiga, ele mesmo absolve”. Alguma restrição à afirmação?

Com certeza, nem mesmo os que assumem políticos como animais de estimação teriam coragem de contradizer Millôr. Ontem, hoje e certamente amanhã, a tese vigente nas duas casas do Congresso Nacional é simples e recorrente: quando um cidadão consegue chegar a um dos plenários com um projeto de lei popular, de imediato os deputados e senadores aparecem com as emendas. Portanto, seja municipal, estadual ou federal, o Legislativo realmente não é para amadores. É notório que aqueles com princípios e boas ideias e com intenção de fazer o bem, no máximo trabalham para evitar o mal.

Não à toa, em uma época bastante remota, o marechal Deodoro da Fonseca já analisava o Congresso como uma coisa que deveria desaparecer “para a felicidade do Brasil”. Do tipo a nossa Cosa Nostra, o Parlamento e o povo têm interesses díspares e, às vezes, complementares. O atual, por exemplo, quando se reúne é para legislar pelo povo dos bois, da Bíblia e da bala. Quando extrapola, consegue a proeza de crucificar uma autoridade do Judiciário que tenta somente evitar que um bilionário bobalhão, mesmo de longe, se associe às ratazanas de verde e amarelo para dar ordens no Brasil.

Respeitemos suas teses supostamente inovadoras sobre probabilidades e empreendedorismo. Entretanto, se Elon Musk é tão tão assim, por que ele se negou a apoiar projetos que regulamentam plataformas de redes sociais? Não seria uma contradição? Se ele pensa sério em relação ao liberou geral de seu X, por que nunca viu seriedade na defesa da soberania nacional e nas leis citadas pelo ministro Alexandre de Moraes para conter o desregramento do antigo Twitter? Como diz uma amiga, Elon precisa informar ao Musk que o arraial brasileiro mudou de mãos.

Apesar de parte da casa de entretenimento conhecida por Congresso pensar diferente, o que valia antes não vale mais. Do Leme ao Pontal, não há nada mais igual aos tempos em que o discurso de maior eloquência no nada venerável Parlamento e no então pouco respeitável Palácio do Planalto era contra a cura gay. O mandatário é outro, mas os tribunos são os mesmos que hoje clamam por justiça social e decência política, objetivos que eles não tinham, não têm e jamais terão. Por essas e outras numerosas razões, repito que, em relação à casa de assombrações, a melhor opção de escolha se resume ao desastroso e ao intragável. Quanto aos fantasmas roedores, é bom que saibamos que, depois de se divertir, se corromper e enriquecer com as emendas, eles desaparecem. O problema é que bastam lençóis novos para que vençam novamente.

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