Marina Dutra
A Ferida do Abandono – O Eco do Vazio que Persegue Todo Amor
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Enquanto a rejeição questiona o direito de existir, a ferida do abandono teme a consequência mais direta da existência: a solidão. Esta marca não se forma pelo sentimento de ser um erro, mas pela experiência aterradora de ser deixado para trás. Ela nasce nos momentos em que a criança percebe que a fonte de seu sustento emocional – seja um cuidador distraído, sobrecarregado ou emocionalmente indisponível – é inconsistente. É a sensação de que o amor é condicional e temporário, um bem que pode ser retirado a qualquer instante, deixando-a à mercê de um vazio insuportável.
Aqui, a crença não é “eu não mereço estar aqui”, mas “eu não sou suficiente para fazer alguém ficar“. O terror não é pela própria essência, mas pela impermanência dos outros. É a ansiedade de quem espera, eternamente, pelo próximo adeus.
Para evitar o colapso emocional que a solidão representa, a psique desenvolve estratégias centradas em uma necessidade desesperada de conexão:
• A Máscara do Dependente: Esta persona constrói sua identidade em torno dos outros. Sua pergunta constante é “você vai embora?”. Sua energia é de carência e busca de fusão, acreditando que só estará completa se estiver ligada a outra pessoa. É a criança que se agarra à perna do adulto, transformada em adulto que se agarra à presença alheia.
• A Máscara do Controlador: Tenta garantir que ninguém saia microgerenciando relações, criando cenários de dependência ou sufocando o outro com atenção. A lógica é: “Se eu controlar tudo, posso evitar o abandono”. O que parece poder é, na verdade, pânico disfarçado.
• A Máscara do Cuidador Excessivo: Encontra sua razão de ser em ser indispensável. Acredita que, se cuidar de todos, se for útil ao extremo, ninguém terá coragem de deixá-lo. Esta máscara veste-se de generosidade, mas sua motivação é o medo, não a doação livre.
As manifestações desta ferida na vida adulta são marcadas por uma qualidade de urgência e ansiedade:
• Nos Relacionamentos: Vive em estado de alerta. Um atraso, um silêncio, uma mudança de planos é suficiente para acionar o pânico. Conflitos são temidos não pela discussão em si, mas pelo risco de serem o prenúncio de uma saída.
• Na Vida Emocional: A solidão é vivida não como um momento de introspecção, mas como uma confirmação de seu pior pesadelo. Há dificuldade em estar consigo mesmo, pois a própria companhia é insuficiente para preencher o vazio interno.
• Nos Pequenos Rituais Diários: Verifica incessantemente o telefone, busca confirmações repetidas de amor ou disponibilidade, interpreta qualquer sinal de independência alheia como ameaça.
• Na Autoimagem: A sensação de incompletude é central. Projeta no outro a missão impossível de preencher um vazio que é interno. A frase “sem você não sou nada” não é uma metáfora romântica, mas a descrição literal de sua experiência.
A cura para a ferida do abandono não está em encontrar alguém que nunca saia – uma impossibilidade –, mas em construir um porto seguro dentro de si mesmo.
O caminho envolve:
• Tolerar a Incerteza: Aprender a habitar o espaço entre “eu estou aqui” e “você pode ir”. Entender que a segurança não vem de garantias externas, mas da capacidade interna de lidar com a dor.
• Cultivar a Própria Companhia: Transformar o relacionamento consigo mesmo de negligente para nutritivo. Descobrir que a solidão pode ser solitude, um espaço de encontro interior.
• Observar a Ansiedade sem se Fundir a Ela: Reconhecer o pânico como um flashback emocional, um eco do passado, e não uma verdade presente. Respirar fundo e lembrar: “Eu sou um adulto agora, e posso cuidar de mim”.
A cura acontece quando se percebe que, mesmo que alguém saia, você não desaparece. Você fica. E a pessoa mais importante para não abandonar você mesmo é você.
Na próxima semana, exploraremos a ferida da humilhação, onde o medo central não é ser deixado, mas ser exposto, ridicularizado e ter sua dignidade pisada. Veremos como a vergonha tóxica corrói a autoestima e como podemos nos libertar da necessidade de agradar a todos.
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Marina Dutra – Terapeuta Integrativa
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