O DISFARCE
A Voz que Mora no Silêncio
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Diana sempre fora uma garota querida, daquelas que alegram os lugares com seu sorriso fácil e suas histórias divertidas. No entanto, havia um lado de sua juventude que não dividia com sua família, sentindo-o sozinha.
Já no início de sua adolescência, Diana nutria sentimentos por outra menina, uma amiga da época. Essa amiga ignorava, completamente, e Diana acreditou que este era apenas um sentimento passageiro, equivocado e inoportuno. O medo de perder a amizade da amiga e de alguém desconfiar de seus interesses verdadeiros, era uma sombra que pairava em seu coração. Dessa forma, em silêncio, Diana foi vivenciando sua adolescência.
Nos encontros familiares, Diana era questionada por suas primas sobre os namoricos e paqueras, ela respondia sempre de forma evasiva e descontraída. Embarcava nas conversas com as primas sobre namoros e paixões. Às vezes, tinha vontade de confidenciar seus sentimentos a elas, sua essência, mas pensava que elas poderiam contar a mais alguém e a história acabar chegando a seus pais, o que mais temia… e acabava desistindo, disfarçando a angústia que a consumia.
Certa vez, durante uma de suas aulas, a professora recebeu uma palestrante, psicóloga, que conversou com a turma sobre o tema de saúde mental na adolescência, sobre os desafios do desenvolvimento e a importância do jovem ter alguém de confiança para conversar sobre suas questões mais íntimas, ter um espaço seguro onde poderá ser ele mesmo e sentir-se apoiado, acompanhado em suas demandas da vida. A psicóloga falou, também, sobre a confidencialidade das conversas terapêuticas. Nessa parte, Diana gostou ainda mais, interessando-se em ter esse importante apoio. Iria dizer a sua mãe que gostaria de fazer terapia e buscaria um psicólogo para conversar.
Buscou numa de suas redes sociais, encontrou várias possibilidades e não tinha ideia da dimensão de ofertas. Decidiu-se por um homem, não sabia muito bem a razão, mas foi na proximidade de onde morava. Ligou, marcou uma consulta e foi! Ao conhecer seu psicólogo, Maurício, Diana, finalmente, encontrou um espaço seguro, sentindo-se feliz e aliviada por poder conversar sobre assuntos que pesavam em seu coração, pois sentia-se sozinha com eles. Com Maurício ela podia ser autêntica. O terapeuta sabia como guiar as conversas e tocar nas emoções que faziam pesar sua alma. Maurício trabalhava com ela, durante as conversas, o medo de rejeição que ela tanto temia da família e dos amigos.
Certa tarde, enquanto a chuva batia suavemente na janela do consultório, Diana relatou:
— Maurício, teve um churrasco de aniversário na casa do meu tio nesse final de semana, foi muito legal, mas, teve uma situação que me chateou bastante: meus tios e primos estavam zoando gays, dizendo que hoje está tudo trocado, que além de falta de vergonha na cara, é falta de pulso de uma boa família. Ficaram fazendo gracinha, meus primos rindo, as primas começaram a rir, dizendo que na turma delas é cheio de ‘sapata’. Meus pais nada disseram. O que eu ia fazer? Fiquei rindo junto, disfarçando a minha raiva.
— Diana, não é raro a gente se sentir acuado quando estamos em um grupo que pensa diferente da gente. Você não precisa agradar a ninguém, mas não são todas as batalhas que precisamos lutar.
O olhar encorajador de Maurício e suas palavras traziam um pouco de paz à sua dor.
— No dia que eles souberem vão me massacrar.
Maurício, com gentileza e tranquilidade, respondeu:
— Sua família pode te surpreender. O amor deles por você poderá ser mais forte do que qualquer dificuldade em aceitar o que é diferente do que eles acreditam que seja o certo. Quando você entender que chegou o momento de conversar com algum de seus pais, saberá como fazer. Assim como soube chegar até aqui, saberá o momento certo de dividir o que quer que seja com sua família, e esse caminho você não precisa trilhar sozinha, afinal, estou aqui para isso.
A conversa com seu terapeuta ficou na cabeça de Diana por vários dias.
Outros encontros familiares vieram, trazendo novos momentos de risos e descontração.
Ali, vendo os rostos de seus familiares, depois de tanto tempo, Diana sentiu seu coração mais leve. Imaginou que chegará o dia em que ela poderá, finalmente, ser ela mesma.
A jovem ainda não estava amadurecida para ter conversas difíceis e fazer revelações, mas saber que um dia poderia ser ela mesma e que ninguém tinha o direito de desrespeitá-la, confortava sua alma.
Com as sementes que haviam sido plantadas em sua terapia, Diana acolhia, com mais tranquilidade, os desdobramentos do amanhã. E aprendeu a escolher melhor suas lutas.
— Um dia… um dia!
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Fabiana Saka (@fabianasaka), escritora e psicóloga clínica no Rio de Janeiro, é autora de “As Aventuras de Daniel – não tenha medo de si mesmo” (Ed. Ases da Literatura, 2024).