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O donzelo e a cafajeste

Laura era a rainha inconteste da cafajestice

Publicado

Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Laura só não coçava o saco porque não tinha. Fora isso, era a rainha inconteste da cafajestice.

Não porque falasse palavrões cabeludos, muitas mulheres de respeito e de responsa, entre elas as eternas musas Leila Diniz e Rita Lee, faziam o mesmo. Não por seu riso escrachado, em total contraste com sua voz modulada e suave. O motivo era a crueza de suas descrições do funcionamento de alguns de seus órgãos internos, tais como os rins e o intestino.

Pouco importava a situação – uma reunião familiar, uma recepção formal, um encontro com a turma –, quando sentia vontade, a moçoila anunciava urbi et orbi:

– Vou dar uma mijada – e soltava sua risada de puro escracho.

Era muito pior quando se tratava do número 2. Ela proclamava, triunfante, antes de sair:

– Vou deixar cair um barro – e ria, ria, ria, num abandono total.

Ficava um silêncio incômodo, todos visualizando o tolete deslizando pelas polpas de sua bundinha bem torneada até mergulhar no vaso. A sem gracice persistia depois que ela voltava, sua família se retirava, envergonhada, das reuniões sociais e até a galera, progressista e aberta a muita coisa (legal e ilegal), tratava de sair de fininho, um após outro.

O estranho era que, fisicamente, Laura estava bem longe da versão cafajestosa. Era jovem, bonitinha, bem gostosa, desde a bundinha, já mencionada, até os lindos seios, não muito grandes, apalpáveis e beijáveis na última. Algumas moças dadas ao sapateado encantavam-se com o que lhes parecia uma sandalinha com pitadas de borracheira e chegavam junto, esperançosas. A resposta não variava:

– Tá me estranhando? Sou bainha, estou em busca de uma espada! – e o riso escrachado cortava os ares.

Laura era mesmo hétero de papel passado. Só que sua bainha não buscava qualquer espada, e sim a de João, colega de faculdade e seu crush desde os 14 anos.

Ele era bonito pra dedéu, um jovem atraente pra ninguém botar defeito. Merecia um nome maravilha, tipo Rodrygo ou Enzo, mas era só João. O que não impedia a mulherada de cair matando por sua figura sedutora, de feições perfeitas.

Não só a mulherada. Muitos homens, jovens ou maduros, encantavam-se com sua beleza e finura no trato e chegavam junto, esperançosos. Recebiam uma negativa cortês mas inflexível. Alguns, despeitados, passaram a designá-lo como “o donzelo”, mas o apelido depreciativo não pegou. Uma das vantagens de ter um nome simples e curto. Um José muitas vezes vira Zé, mas um João, depois de deixar para trás o Janjão da infância, em geral permanece João até o fim de seus dias.

Certa noite, Laura e João esperavam um ônibus, depois de saírem da faculdade. Ela dirigia-lhe olhares pidões mas discretos – ficava tímida e enleada na presença dele; o moço olhava-a com carinho e alimentava a conversa com a delicadeza que o caracterizava.

Nesse momento, os deuses do Olimpo, talvez por puro fastio, só de sacanagem, entraram em cena.

Eros, deus do amor e do desejo, filho de Afrodite e Marte, atingiu os dois com flechas certeiras; sua mãe, associada à beleza, à luxúria, à sexualidade e ao prazer, enviou esses atributos para a jovem, fazendo de uma moça bonitinha uma fêmea sedutora; seu pai, deus da guerra, macho alfa, ampliou pra dedéu a masculinidade por vezes questionada de João. Depois esperaram, rindo, para ver como aquele casal improvável lidaria com aquela dose cavalar de feromônios sexuais.

Lidaram da melhor e mais prazerosa maneira possível, na cama. Esqueceram o ônibus, tomaram um táxi e foram se beijando até o hotel mais próximo. Transaram a noite inteira e, talvez por obra e graça da dádiva inesperada e zombeteira dos deuses, foi uma delícia.

Contrariando as expectativas do trio do Olimpo, não houve separação no dia seguinte. O transetê prosseguiu, talvez menos mágico, na dimensão terrena, porém plenamente satisfatório.

Para espanto da turma (e decepção de algumas e alguns), Laura e João passaram a morar juntos. Ela parece mais contida, sua risada soa um pouco menos escrachada. Como parou de frequentar reuniões sociais com a família, há menos ocasiões para dar vexame. João, por sua vez, parece mais adulto, mais homem, ninguém ousa mais chamá-lo de donzelo.

A principal mudança ocorreu com a proclamação dos movimentos intestinais de Laura. Atualmente, quando a vontade aperta, ela anuncia:

– Vou dar uma cagadinha… – e sorri.

A tigrada reagiu com alívio. Ela está longe de anunciar o número 2, ou de dizer “Vou fazer cocô”, e ainda mais de um afastamento silencioso e discreto – mas nunca mais deixou cair um barro, nunca mais complementou a barbaridade com um riso escrachado. E no diminutivo, com um sorriso de brinde, a coisa fica até mimosa …

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