10 histórias circenses
CIRCO MAMBEMBE SÉCULO XXI
Publicado
em
1.
Circo ao avesso. E naquele domingo, a última sessão matinê. O lobo bom comeu o caçador mau e fugiu para sempre com a vovozinha. A menina de capuz vermelho vaga solta pela floresta.
2.
Circo trágico. E naquela madrugada, a mulher barbada cortou os pulsos com gillete. O palhaço Pimentão jamais foi visto desde então.
3.
Circo transcendental. E naquela sexta-feira 13, Valeska, a vidente dos olhos de cobra, decidiu não mais pensar ou adivinhar; estava só. “O que adivinhei até aqui virou pó”.
4.
Circo temporal. E naquela noite, evidenciou-se o dilema do chinês performático ao sentir-se, pela primeira vez, incapaz de equilibrar e manter girando mais que um prato no ar.
5.
Circo ranzinza. Nunca, jamais, Palpitoso, o palhaço triste, esboçara um sorriso. Naquela noite, no final da comédia, ele teve um ataque de risos ao ver a imensa mulher cair de costas do último degrau da arquibancada. Pano rápido.
6.
Circo da música. A dupla Motinha e Nhá Fia entravam pelo picadeiro cantando “Boa noite, minha gente / Boa gente do lugar / Nós viemos aqui contente / Contente vamos cantar…”. Foram quase duas décadas de arte mambembe e plateias encantadas. Cero dia ficaram roucos para sempre.
7.
Circo palhacinhos. Os dois meninos entravam pelo picadeiro como dois alucinados. Esquetes, tombos, cambalhotas. Todos os dias aprendiam mais e mais do ofício de encantar plateias. Depois de anos eles cresceram e ficaram adultos. E pintaram as carinhas para sempre.
8.
Circo em chamas. E veio o dia da tristeza. 1961, ano de um Brasil em ebulição. De chofre o pano/encerado do circo está em chamas. E com as chamas lá se foram os sonhos da companhia. Mas estrada permececeu para sempre em suas almas.
9.
Circo final. E naquela madrugada, o dono do circo – que também era o atirador de facas -, decidiu pelo fim da companhia. Perdeu a batalha para os tremores nas mãos.
10.
Circo memória. E naquele terreno baldio, na tabuleta deixada sobre empanados, tábuas da arquibancada, mastareis e a velha lona cheia de furos ficaram apenas as palavras escritas para sempre com tinta alvaiade escorrendo no tempo: “Saudades de todos nós, ignorantes conscientes e inconscientes deste horizonte de eventos”.
…………………….
Gilberto Motta é escritor, jornalista e professor/pesquisador e sobrevivente da arte circense em que nasceu e cresceu. Vive, hoje, na Guarda do Embaú, pequena comunidade de pescadores no litoral Sul de SC.