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O LADO B DA LITERATURA

Nem tudo foram flores na vida da escritora Maura Lopes Cançado

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Autor/Imagem:
Cassiano Condé - Foto Reproduzida da Internet

A retratada de hoje em O Lado B da Literatura publicou seus dois únicos livros na década de 1960 e desde muito pequena, gostava de contar histórias. Maura Lopes Cançado, mineira, era conhecida pela comunidade literária carioca, bem como era tida como grande promessa. Mas nem tudo foram flores na sua vida.

Nascida em uma família numerosa, Maura era a nona de onze filhos. José Maria Lopes Cançado, primo do pai da escritora, foi um dos parlamentares que participaram da Constituinte de 1946. Já a mãe de Maura descendia de Dona Joaquina de Pompeu, personagem histórica de Minas Gerais.

Maura era muito criativa. Tanto é que adorava inventar histórias como, por exemplo, de que seria filha de russos, e que um dos seus tios teria nascido na China.

Sofria de crises epiléticas e, segundo dizia, teria sofrido abuso sexual por empregados que trabalhavam para a família. Se isso era ou não verdade, não me convém duvidar, mesmo porque casos assim aconteciam e, infelizmente, continuam acontecendo.

Estudou no colégio Sacre-Coeur de Marie, ainda em Minas Gerais. Já aos 14 anos, integrou o aeroclube, onde acabou conhecendo seu marido, com quem teve seu único filho, Cesarion Praxedes, que veio a se tornar escritor e jornalista. Seja como for, logo após o nascimento da criança, Maura se separou do marido.

Aos 18 anos, ela se internou voluntariamente na Casa de Saúde Santa Maria, em Belo Horizonte. Foi lá que ela foi diagnosticada com esquizofrenia. Na ocasião, ela disse: “Ninguém entendeu esta internação a não ser eu mesma: necessitava desesperadamente de amor e proteção… o sanatório parecia-me romântico e belo. Havia um certo mistério que me atraía.”

Após a separação, Maura passou a ter uma vida boêmia. Ela bebia em demasia, além de se tornar assídua frequentadora da noite na capital mineira. Herdeira, viveu do dinheiro da família.

Quatro anos após, já aos 22 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, com o intuito de ser escritora. Publicou contos e crônicas no Jornal do Brasil e no Correio da Manhã. Todavia, não apenas de glamour foram seus dias na então capital do país, já que também apareceu por diversas oportunidades nas páginas policiais, pois eram constantes as brigas com seu empresário e, em 1955, tentou suicídio.

Em 1958, ano importante da história brasileira, Maura publicava ao lado de inúmeros ilustres jornalistas da época: Mário Faustino, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony e Reynaldo Jardim. Inclusive um dos seus contos, “No quadrado de Joana”, cuja personagem era uma paciente catatônica, causou furor entre os inúmeros leitores.

Maura Lopes Cançado publicou seus dois únicos livros nos conturbados anos 1960. “O hospício é Deu”, 1965, e “O Sofredor do ver”, 1968. O primeiro retrata o seu período de internação no Hospital do Engenho de Dentro, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Autora prolífera, Maura publicava frequentemente em periódicos da época, com destaque para o Jornal do Brasil. Isso até que, em 1972, a escritora estrangulou e matou uma paciente na Clínica de Saúde Doutor Eiras, em Botafogo. Acabou condenada por homicídio e, por ter sido considerada inimputável, ficou internada no Hospital Penal da Penitenciária Lemos de Brito, em cubículo sujo e infestado de percevejos, onde passou seis anos.

Maltratada e praticamente cega e desnutrida, a antes proeminente escritora precisou de cuidados psiquiátricos para o resto da vida, inclusive após a sua libertação, em 1980. A partir daí, foi internada em diversas clínicas até que sucumbiu a um infarto no dia 19 de dezembro de 1993, ainda no Rio de Janeiro.

Eis algumas falas da nossa autora retratada:

“Não dão ao louco nem o direito de ser louco. Por que ninguém castiga o tuberculoso, quando é vítima de uma hemoptise e vomita sangue? Por que os ‘castigos’ aplicados ao doente mental quando ele se mostra sem razão?”

“Nós, mulheres despojadas, sem ontem nem amanhã, tão livres que nos despimos quando queremos. Ou rasgamos os vestidos (o que dá ainda um certo prazer). Ou mordemos. Ou cantamos, alto e reto, quando tudo parece tragado, perdido. (…) Nós, mulheres soltas, que rimos doidas por trás das grades — em excesso de liberdade. (…)”

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Cassiano Condé, 82, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.

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