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Palavras esfoladas

POEMAS DE SOLA DE BOTINA

Publicado

Autor/Imagem:
Gilberto Motta - Foto Francisco Filipino

Garoto ainda brigava com as palavras e a mãe sempre dizia:

“As palavras, os textos e os poemas têm que ser esfoladas, possuídas, ultrajadas, amadas, repetidas, copiadas, compartilhadas, gastas até a última gota”.

Os poemas e as palavras têm que ser esfoladas, repetidas, copiadas, compartilhadas, pulverizadas até perderem os sentidos para construírem novos sentidos nas pessoas que lerem os teus desabafos.

Seguiu pela vida esfolando, desgastando, curtindo a raiz das palavras, textos e poemas.

Jamais se esqueceu do toque desbravador de mágicas da mãe:

“As palavras, os textos e os poemas têm que ser esfoladas, possuídas, ultrajadas, amadas, repetidas, copiadas, compartilhadas, gastas até a última gota”.

Esfoladas, repetidas, copiadas, compartilhadas, gastas, pulverizadas, amplificadas, desmanteladas, transformadas até dissolverem em pó.

Gastar tudo; a imaginação, a inspiração, a transpiração, o desafio, as tintas, os lápis, as folhas em branco de papel de bloco e papel de pão.

Já adulto passou a esfolar, gastar, curtir, teclar os bites de luz na tela digital.

Nada mudou apenas o meio, o instrumental; o ritual de esfolamento e desgaste permaneceu.

Trilhou muitos caminhos, viveu aventuras, amou, desamou, gostou, desgostou, chegou, partiu, ganhou, perdeu.

Certo dia a mãe “esfolou-se / desgastou-se” e partiu para nunca mais.

E o garoto –agora homem feito -, não alterou o ritual com as palavras, os textos e os poemas.

Em tempo percebeu que a mãe falava não apenas sobre as palavras, os textos e os poemas. Falava da vida e do tempo.

E foi assim: esfolou o tempo, curtiu e desgastou a vida como se fora a última vez.

Concretizou a grande vereda de prazeres e desesperos do viver.

Feito a sola da velha botina parceira fiel de tantas trilhas e andanças.

“As palavras, os textos e os poemas têm que ser esfoladas, possuídas, ultrajadas, amadas, repetidas, copiadas, compartilhadas, gastas até a última gota”.

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Gilberto Motta é escritor, jornalista, professor/pesquisador de palavras, textos, poemas, trilhas e veredas. Vive na Guarda do Embaú, vila de pescadores e turistas no litoral Sul de SC.

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