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Amanhecer duvidoso

Cresce preocupação do nordestino com violência policial

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Autor/Imagem:
Acssa Maria - Foto Divulgação

O povo daqui já acorda com o coração meio apertado, como quem reza sem abrir a boca. A gente sai de casa olhando pros lados, desconfiando até da sombra que o sol bota nos nossos pés. É que viver no Nordeste, às vezes, parece caminhar num chão rachado: a gente pisa firme, mas sabe que pode afundar de repente.

Nas calçadas quentes das cidades, o zunido das motos corre mais ligeiro que o vento, e cada buzinada faz o peito da gente tremer, numa mistura de susto e alerta. “Se benza, minha filha”, dizia minha avó, “o mundo tá ligeiro demais e o juízo do povo parece que ficou pra trás.” E eu me benzo, mesmo sem ser tão de igreja, porque no fundo a gente se agarra ao que resta.

A violência, essa danada, se esconde nos becos, nas vielas, nos cantos onde a luz não chega. Mas, pior do que isso, ela entra dentro da gente: deixa a mão suada, o passo apressado, o pensamento inquieto. O medo vira companheiro de rotina, desses que ninguém convidou, mas insiste em puxar uma cadeira na sala.

Mesmo assim, o nordestino não se dobra fácil. A gente tem uma teimosia bonita, daquelas que faz a esperança brotar até em terreno seco. Quando a noite chega, e a rua parece maior do que devia, ainda tem quem sente na calçada pra prosear, quem ofereça um café, quem diga um “boa noite” que vale mais que guarda-costas.

Porque aqui, no meio da dureza, a gente aprende a se proteger uns aos outros. É na vizinha que vigia pela janela, no comerciante que conhece cada rosto que entra, no menino que corre avisando: “cuidado ali, viu?”. É assim que a gente vai vivendo: no aperreio, sim, mas também na força de uma comunidade que, mesmo ferida, não larga do outro.

E no fim das contas, o que fica é essa vontade danada de que um dia a gente possa andar devagar, olhar o céu sem medo, e deixar o coração bater no compasso certo — aquele compasso manso do Nordeste que a violência tenta calar, mas não consegue. Porque o povo daqui é de luta, e enquanto houver sol nesse chão, vai haver também coragem pra seguir.

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