Adeus sideral
Em uma noite Equatorial, Lô Borges, o audaz, partiu no Trem Azul
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Lô, que nasceu Salomão Borges Filho, é de Minas e das Gerais, mas não é rei, embora igualmente seja visto como um dos mais sábios entre os meninos aos quais se juntou para perpetuar a mineirice na Música Popular Brasileira. E todos se chamavam homens e também se chamavam sonhos. Como os sonhos não envelhecem, o mineiro bom, ícone do Clube da Esquina, viveu poesia desde o primeiro encontro com Bituca aos dez anos. Milton Nascimento já tinha 20, mas, como um girassol da cor do cabelo de ambos, se uniram como fontes de inspiração e beleza.
Após ficar somente no Borges, Lô já pedia aos amigos para que, se morresse, ninguém chorasse, pois ele era e permaneceria sempre só a lua. E assim foi e assim será. No interior ensolarado do Trem Azul, ele talvez não vá se lembrar das coisas que esqueceu de dizer ou daquelas que ficaram muito tempo por dizer. Nada demais para um poeta, cujas palavras na canção do vento não se cansam de voar. E o sol na cabeça indica tão somente que experiências e lembranças seguem viagem mesmo sem serem verbalizadas.
Assim subiu o Trem Azul. E se foi seguindo o próprio fluxo da vida. Mensageiro natural de coisas naturais, nosso Lô certamente está sentado na janela lateral do quarto de dormir. Vendo uma igreja, um sinal de glória, uma grade e um velho sinal, provavelmente ele não queira acreditar que partiu. Como isso é tão normal, o Salomão rei das esquinas de Belo Horizonte já deve estar saudoso de Márcio Borges, de Beto Guedes, de Toninho Horta, de Ronaldo Bastos, de Flávio Venturini, de Wagner Tiso e do amigo querido Bituca.
Nesse dia Equatorial, Lô, o menino prodígio, quase um Manuel, o audaz, talvez já esteja ao lado de Fernando Brant e de Tavito. Juntos, nessa noite Equatorial, quem sabe eles não consigam uma nova roupagem para amenizar a clara dor tropical de um adeus sideral. É no espaço que morre a trilha do nosso silêncio. Lô, o Borges, sabia disso. Tanto que, antes mesmo de experimentar o lixo ocidental, cantou para o Brasil e para o mundo seu orgulho de ser da América do Sul.
Lennon e McCartney ouviram, mas jamais souberam – ou entenderam – que Lô, Bituca e a turma do Clube da Esquina eram cowboys, do ouro, mas principalmente de Minas Gerais e do mundo como os quatro Beatles. Tavito pediu, insistiu, mas eles nunca vieram ao Brasil cantar as canções que todos queriam ouvir. Restou a rua, seus ramalhetes, o amor anotado em bilhetes e, mais do que isso, ficou a certeza de que a chama não tem pavio. Daí a certeza de que de tudo se faz canção.
É por isso que Lô, o Borges, o filho de Salomão, retornou tão cedo para a esquina de mais de um milhão. É lá que alguém lhe dirá que ele errou ao cantar que não foi nada. Lô, meu caro, com todo prazer, você foi tudo. Pelo amor de Deus! Não quero falar dessas coisas mórbidas, tampouco dos homens sórdidos, mas, cavaleiro marginal, banhado em ribeirão, se um dia o poeta sonhou que nunca existiu, chegou a hora de descobrir que o “amigo” nunca sonhou. Você não quer acreditar, mas repito que isso é tão normal. Siga no Trem azul e, se puder, não esqueça de, vez por outra, me lembrar que, nos Bailes da vida, só a fé e a faca devem ser amoladas. Sei que nada será como antes, mas feche a janela lateral do quarto de dormir e sonhe, sonhe, sonhe e sonhe com as Estrelas. As suas Estrelas.
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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras