Joelma, a chiquete
Chico Buarque, Garrincha e o quase tabefe
Publicado
em
Se gosto do Chico Buarque? Aprecio deveras. Não apenas o compositor, como também o escritor e até o cantor. Sim, isso mesmo! Cantor! Imagine um cara da mesma escola do Bob Dylan ter a coragem de fazer dueto com ninguém menos do que o Milton Nascimento. Não é para se admirar? Não resta dúvida de que o cara merece o meu respeito. E muito!
Certa vez, quando ainda era funcionário do Banco do Brasil, trabalhei com a Joelma, que era não apenas fã que nem eu, mas provavelmente a mais ardorosa “chiquete” que tive o prazer de conhecer. E, digo mais, quase levei uns bons e merecidos tabefes dela.
Pois lá estávamos trabalhando na compensação de cheques à noite, quando eu disse para a minha colega que havia lido o livro Estrela Solitária, do Ruy Castro, quando soube que o Chico Buarque e o Garrincha fizeram amizade na Itália. A Joelma me fitou com aqueles enormes olhos castanhos.
— E daí, Edu?
— E daí que, enquanto o Chico tentava puxar o assunto para o futebol, o Garrincha, que não gostava de falar disso, levava a conversa para o lado da música.
— Hum!
Não entendi direito aquele “Hum!” ou, então, teria parado a conversa por ali. Inocente, puro e besta, continuei.
— E o Chico ia todos os dias ao apartamento do Garrincha e ficava falando de futebol, fazendo perguntas sobre esse meio, mas o Garrincha sempre queria falar de música.
A Joelma pareceu não gostar, bateu firme o pé no piso e me questionou.
— Edu, quem é mesmo o Garrincha perto do Chico Buarque?
Espantado, devo ter arregalado os olhos e, até hoje não sei como tive coragem de responder, mas respondi com outra pergunta.
— Desculpe, Joelma, mas quem é o Chico Buarque perto do Garrincha?
Se a Joelma não me deu umas bofetadas foi porque nós, adultos, precisamos nos fazer civilizados diante das intempéries que surgem por caminhos estranhos. Ainda bem que é assim ou, não duvido, teríamos corpos estendidos não apenas nos gramados, como também nas ruas.
Repare, leitor, que não tive a pretensão de desmerecer o Chico, mesmo porque, repito, sou fã dele há tanto tempo, que a trilha sonora da minha vida certamente é repleta de suas músicas. No entanto, entretanto e todavia, o Garrincha, ao contrário do Chico, se encontra numa espécie de Olimpo.
Se concordo ou discordo, não importa. As coisas são o que são. O Chico, por mais genial que seja, e espero que continue sendo assim por muitos anos, não carrega essa magia que envolve a figura do Garrincha. O Anjo das Pernas Tortas, o Chaplin dos Gramados, Alegria do Povo… São tantos epítetos, que até Deus reverencia o homem que inventou o olé.
……………………
Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
Compre aqui
https://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho