Divã
O Confessionário do Ponto de Ônibus
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Boa tarde! O ponto de ônibus, esse pedaço de concreto com um banco torto e um teto que nunca protege da chuva, é mais do que um lugar de espera. É um confessionário urbano, onde as almas da cidade, sem querer, despejam seus segredos, medos e sonhos enquanto o próximo coletivo não chega. Sob o sol escaldante ou a garoa insistente, ali, entre um suspiro e um olhar perdido, a vida se revela em fragmentos.
Naquela tarde, o ponto de ônibus da Avenida Central estava mais vivo que nunca. Dona Maria, com sua bolsa de feira abarrotada de batatas e um maço de coentro, resmungava baixo, como se o mundo inteiro fosse seu confidente. “Esse meu neto, viu? Só no celular, não lava um prato. Se eu não cobro, ele esquece até de comer!” Ela falava sozinha, mas seus olhos encontravam os meus, como quem pede um aceno de cumplicidade. Eu sorri, e ela continuou, agora contando da filha que foi morar tão longe que “parece que sumiu no mapa”. O ponto de ônibus, nesse momento, era o divã onde Dona Maria aliviava o peso do coração.
Ao lado, um rapaz de fone de ouvido balançava a cabeça ao ritmo de uma música que só ele ouvia. Mas o volume estava alto o suficiente para eu captar o grave de um funk. Ele parecia alheio, mas, quando o celular tocou, a máscara caiu. “Não, mãe, eu não fui na entrevista ainda. Tô tentando, juro!” A voz dele tremia, como se carregasse o peso de uma promessa não cumprida. Ele desligou rápido, olhou pro horizonte, e o ponto de ônibus virou o palco de sua batalha interna, onde ninguém mais ouvia, mas todos entendiam.
Teve também a moça de vestido florido, com um livro na mão, mas que não lia uma linha. Ela olhava o relógio a cada minuto, como se o tempo fosse um inimigo. “Se eu perder esse ônibus, perco o emprego”, murmurou, mais para si mesma do que para mim, que estava ao lado. Mas aí ela começou a contar, quase sem perceber, que o chefe era um grosso, que o salário mal dava pro aluguel, mas que ela sonhava em abrir uma lojinha de artesanato. O ponto de ônibus, naquele instante, era o confessionário onde ela depositava suas esperanças, frágeis como o papel do bilhete que segurava.
E eu? Eu só ouvia, com meu caderno na mão, anotando pedaços dessas histórias que se cruzavam sem nunca se tocar. O ponto de ônibus não julga, não aconselha, não absolve. Ele só existe, como um espelho da cidade, refletindo o que cada um carrega. Quando o ônibus finalmente chegou, com seu ronco cansado e portas rangendo, cada um subiu com seu fardo, seus segredos, seus sonhos. E o ponto ficou vazio, esperando a próxima confissão.
Porque, no fim, o ponto de ônibus é isso: um lugar onde a cidade respira, sussurra e, sem querer, se revela. E ali, entre um horário atrasado e outro, a gente descobre que todo mundo tem uma história pra contar mesmo que o único ouvinte seja o vento.