Curta nossa página


Alhos e bugalhos

Juízes, árbitros, legumes, bicho, números e a inocência do homofóbico

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Durante minha carreira de jornalista, nunca tive o privilégio, o desejo ou o direito de fugir de coberturas. Ainda que entendesse pouco ou coisa alguma, cobri nesse mundão de Deus de briga de galo e de touro chifrudo e brabo aos jogos de futebol profissional e de várzea. Neles, ouvi variados chamamentos contra o árbitro, também conhecido por juiz, mas acho que morrerei sem saber porque os torcedores do time perdedor adoram mandar o homem do apito chupar tomate cru ou se sentar na castanha quente do toco do caju.

Entre os juízes de futebol e os de toga há semelhanças e diferenças. As primeiras são claras nas vitórias e nas derrotas. Seres que se acham deuses dos estádios ou dos plenários, eles são maravilhosos para quem ganha. Para os que perdem, a vítima preferida são as coitadas das mães dos homens de preto. Quanto às diferenças, a principal é que uns ganham por partida, enquanto outros partem e continuam ganhando. Ambos, porém, são de mil e uma utilidades para os lançadores de tomates podres e, principalmente, para os que xingam em troca de um pão com mortadela.

Passados tantos anos, hoje tenho certeza de que foi melhor desconhecer os motivos de tão sábios xingamentos. Nos chatos, mas necessários plantões, também acompanhei brigas de alcova, refregas políticas e econômicas e até jus sperniandi nos plenários dos cinco tribunais superiores. Aliás, com os poderosos senhores de capa preta aprendi que não devemos noticiar nada antes de ter conhecimento real do que é dito durante o julgamento pelos advogados, réus, testemunhas e, principalmente, pelos detentores da toga.

Em resumo, atenção é a palavra de ordem. Confundir alhos com bugalhos ou azulejo com vermelejo é o mesmo que condenar inocente ou absolver criminoso. Na dúvida, pergunte, pergunte e pergunte. Depois, se for caso, meta aspas desde a testa até o rabo da matéria. Certa ocasião, em uma oitiva criminal relativa a um estupro, após o magistrado dar voz à vítima e ao acusado, chegou a vez da testemunha de acusação. De frente para a jovem senhora, o juiz indaga em voz alta: Então a senhora é quem foi arrolada? Silêncio absoluto no júri.

Surpreendente, mas compreensível, a resposta veio na lata: Não senhor. A rolada foi nela, respondeu a moça, apontando para a estuprada. De uma outra feita, a acusação era de injúria, calúnia e difamação. Um sujeito sem papas na língua havia questionado publicamente a duvidosa masculinidade do filho de um figurão do mercado financeiro de Brasília. Durante a investigação criminal, o homofóbico cidadão estava prestes a ser indiciado quando o advogado de defesa pediu ao juiz para fazer apenas quatro perguntas ao suposto homossexual.

Autorizado, o causídico, diante do aflito pai, perguntou em série: Qual o vegetal que você mais gosta? Qual o seu número preferido? Que animalzinho gostaria de criar? O que quer ser quando crescer? Nervoso, o pai imaginou que as respostas fossem, pela ordem, cenoura ou pepino, 24, carneirinho ou Bambi e cabeleireiro ou estilista. Saltitante, o menino respondeu, também pela ordem, chuchu, 11, jacaré e juiz. Aliviado e de pé, o genitor grita que, por conta das respostas, não havia dúvida de que o filho era macho com M.

Se dirigindo ao juiz, o zeloso pai pede pena máxima para o caluniador. Pouco mais de 15 segundos após a manifestação do velho e o defensor, de frente para a assistência, dá seu veredito: Lamento informá-lo, meu caro, mas seu filho é gay assumido. Mais alguns segundos de silêncio e o advogado explica: chuchu dá o ano inteiro, 11 é um atrás do outro, jacaré se defende com o rabo e juiz só vive na vara. Portanto… O camarada foi absolvido por unanimidade, mas, até onde eu sei, atualmente o causídico está advogando para os detratores de Elon Musk.

……………….

Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.