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Lembrando Rubem Braga

Como ‘Ai de ti, Copacabana’, temos ‘Ai de ti, Amazônia’

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Autor/Imagem:
Ray Cunha - Foto de Arquivo

Esta crônica foi inspirada em Ai de ti, Copacabana, de Rubem Braga.

  1. Ai de ti, Amazônia, porque tens, nas tuas entranhas, o maior tesouro da Terra, mas és o coração das trevas, tuas crianças são sequestradas para escravidão sexual e extração de órgãos, as nações indígenas estão morrendo como morreram impérios no fio das espadas ibéricas e nações norte-americanas, porque és ensolarada e úmida como o inferno e insetos e microrganismos fazem de ti sua morada.
  2. Ai de ti, Amazônia, porque te chamaram de pulmão do mundo e de pulmão não tens nada, e cingiram tua fronte com outra mentira, a de que os cabocos devem te preservar e não abater nem jacaré; que comam folhas. Diamantes, ouro, ferro, manganês, bauxita, nióbio, urânio e todos os minerais largamente utilizados na indústria devem ser preservados para as potências hegemônicas. E o grude de gurijuba deve ser exportado, e açaí.
  3. Já movi o Rio Amazonas e suas ondas ameaçam Óbidos e Macapá, mas tu, Amazônia, continuas adormecida, como se estivesses comendo muito jambu, perdida e cega no meio de tanta roubalheira, tráfico, estupros e assassinatos.
  4. Com o Rio Amazonas se avolumando, ameaçador, quem te governará? Quando o Amazonas e outros gigantes alagarem as cidades, principalmente Belém, Manaus e Macapá, nem os chefões do narcotráfico, nem os mandantes da COP30 sobreviverão.
  5. Grandes são teus edifícios do fausto da borracha e teus edifícios modernos, mas não serão nada diante do Rio Amazonas, do Rio Negro, do Rio Madeira, do Rio Xingu e de outros gigantes.
  6. E quando 20 por cento da água doce de superfície do planeta e o Oceano Atlântico invadir o Rio Amazonas, pirararas, piraíbas, tubarões, piranhas jacarés-açus, sucuris, ariranhas, nadarão nas ruas das tuas cidades e os esgotos cobrirão teus palácios, em um referver de chorume. Então, todas as muralhas ruirão, inclusive a Fortaleza de São José de Macapá, levando, de roldão, os mentirosos, os comunistas e políticos.
  7. As serpentes habitarão as casas, os meros se acomodarão nos salões, desde Macapá até Rio Branco.
  8. A multidão de mil rios se abaterá sobre ti, para apagar o fogo que te consome. E não valerás mais nada, pois, no teu lugar, surgirá um pantanal medonho.
  9. Ai dos que dormem em leitos refrigerados, desprezam o vento e o ar do Senhor e não obedecem à lei; serão perseguidos por sucuris de doze metros de comprimento e 300 quilos de peso, e por onças pintadas de três metros, do focinho à cauda, e serão comidos também por piuns e microrganismos.
  10. Ai dos que passam em seus automóveis de 500 mil reais, buzinando alto como trovão, pois frearão bruscamente quando se depararem com poraquês soltando cargas elétricas de mil volts.
  11. É preciso acabar com o coração das trevas, razão pela qual tuas donzelas, as amazonas, atrairão os traficantes de mulheres para os emascularem.
  12. Uivai, coronéis de barranco, senadores do inferno; clamai, sequestradores de crianças, porque vocês rebolaram no fogo! Chegaram seus dias!
  13. Ai de ti, Amazônia, porque os pirarucus e os filhotes estarão nos poços de teus elevadores, nas tuas casas, e peremas tomarão sol nos terraços dos teus edifícios mais altos.
  14. Os peixes de aquário sentirão o sabor da liberdade, como pássaros diante da porta aberta da gaiola.
  15. Anfíbios, batráquios, répteis, rezarão nos templos pelos pecados das famiglias.
  16. Antes que sumas do mapa, antes que te transformes em pantanal, ficarás mais demente ainda, ao sol implacável, à umidade, aos microrganismos e animais peçonhentos – ai de ti, Amazônia! Os índios tentarão escapar em milhares de canoas para o Atlântico, mas a derrocada se estenderá até a Margem Equatorial. Os canhões da Fortaleza de São José de Macapá, que nunca troaram, troarão, agora, contra a cidade que a construiu com pedras e sangue de negros e índios, sob látego lusitano. Porém, mesmo o Atlântico levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão escaldante.
  17. Ouçam a minha profecia: cobras-grandes se acomodarão nos palácios, catedrais e teatros, à espera de corpos, que engolirão gulosamente.
  18. E nos clubes elegantes de Belém e Manaus siris comerão cabeças de políticos e jornalistas jabazeiros fritas no crânio, ao som de orquestras de fantasmas.
  19. Pois grande foi a ambição com que os colonos ibéricos e depois os políticos, mancomunados com Ongs e potências hegemônicas caíram de boca nas tuas carnes, Amazônia, dando fundas dentadas. Por isso é chegado o momento do teu fim, coração das trevas.
  20. A rapina dos políticos, narcotraficantes, guerrilheiros comunistas, terroristas e a ralé da bandidagem te levaram à ruína. Meninas miseráveis não serão mais sacrificadas por homens impotentes, mas iludidos por dinheiro e poder.
  21. Imensas sucuris se enrolarão nas antenas de televisão que pertenceram a famílias bilionárias, e peixes pequenos morrerão na bebida falsificada de teus bares.
  22. Pinta-te como puta e coloca todas as tuas joias, aviva de vermelho teus lábios e tuas unhas e canta a canção mais indecente que conheces, e conheces muitas canções indecentes, pois é tarde para rezar. É hora de o teu corpo pecaminoso ser varrido pela fúria. Canta a tua última canção, Amazônia! E não será uma canção de Fernando Canto.
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