Lembrando Rubem Braga
Como ‘Ai de ti, Copacabana’, temos ‘Ai de ti, Amazônia’
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Autor/Imagem:
Ray Cunha - Foto de Arquivo
Esta crônica foi inspirada em Ai de ti, Copacabana, de Rubem Braga.
- Ai de ti, Amazônia, porque tens, nas tuas entranhas, o maior tesouro da Terra, mas és o coração das trevas, tuas crianças são sequestradas para escravidão sexual e extração de órgãos, as nações indígenas estão morrendo como morreram impérios no fio das espadas ibéricas e nações norte-americanas, porque és ensolarada e úmida como o inferno e insetos e microrganismos fazem de ti sua morada.
- Ai de ti, Amazônia, porque te chamaram de pulmão do mundo e de pulmão não tens nada, e cingiram tua fronte com outra mentira, a de que os cabocos devem te preservar e não abater nem jacaré; que comam folhas. Diamantes, ouro, ferro, manganês, bauxita, nióbio, urânio e todos os minerais largamente utilizados na indústria devem ser preservados para as potências hegemônicas. E o grude de gurijuba deve ser exportado, e açaí.
- Já movi o Rio Amazonas e suas ondas ameaçam Óbidos e Macapá, mas tu, Amazônia, continuas adormecida, como se estivesses comendo muito jambu, perdida e cega no meio de tanta roubalheira, tráfico, estupros e assassinatos.
- Com o Rio Amazonas se avolumando, ameaçador, quem te governará? Quando o Amazonas e outros gigantes alagarem as cidades, principalmente Belém, Manaus e Macapá, nem os chefões do narcotráfico, nem os mandantes da COP30 sobreviverão.
- Grandes são teus edifícios do fausto da borracha e teus edifícios modernos, mas não serão nada diante do Rio Amazonas, do Rio Negro, do Rio Madeira, do Rio Xingu e de outros gigantes.
- E quando 20 por cento da água doce de superfície do planeta e o Oceano Atlântico invadir o Rio Amazonas, pirararas, piraíbas, tubarões, piranhas jacarés-açus, sucuris, ariranhas, nadarão nas ruas das tuas cidades e os esgotos cobrirão teus palácios, em um referver de chorume. Então, todas as muralhas ruirão, inclusive a Fortaleza de São José de Macapá, levando, de roldão, os mentirosos, os comunistas e políticos.
- As serpentes habitarão as casas, os meros se acomodarão nos salões, desde Macapá até Rio Branco.
- A multidão de mil rios se abaterá sobre ti, para apagar o fogo que te consome. E não valerás mais nada, pois, no teu lugar, surgirá um pantanal medonho.
- Ai dos que dormem em leitos refrigerados, desprezam o vento e o ar do Senhor e não obedecem à lei; serão perseguidos por sucuris de doze metros de comprimento e 300 quilos de peso, e por onças pintadas de três metros, do focinho à cauda, e serão comidos também por piuns e microrganismos.
- Ai dos que passam em seus automóveis de 500 mil reais, buzinando alto como trovão, pois frearão bruscamente quando se depararem com poraquês soltando cargas elétricas de mil volts.
- É preciso acabar com o coração das trevas, razão pela qual tuas donzelas, as amazonas, atrairão os traficantes de mulheres para os emascularem.
- Uivai, coronéis de barranco, senadores do inferno; clamai, sequestradores de crianças, porque vocês rebolaram no fogo! Chegaram seus dias!
- Ai de ti, Amazônia, porque os pirarucus e os filhotes estarão nos poços de teus elevadores, nas tuas casas, e peremas tomarão sol nos terraços dos teus edifícios mais altos.
- Os peixes de aquário sentirão o sabor da liberdade, como pássaros diante da porta aberta da gaiola.
- Anfíbios, batráquios, répteis, rezarão nos templos pelos pecados das famiglias.
- Antes que sumas do mapa, antes que te transformes em pantanal, ficarás mais demente ainda, ao sol implacável, à umidade, aos microrganismos e animais peçonhentos – ai de ti, Amazônia! Os índios tentarão escapar em milhares de canoas para o Atlântico, mas a derrocada se estenderá até a Margem Equatorial. Os canhões da Fortaleza de São José de Macapá, que nunca troaram, troarão, agora, contra a cidade que a construiu com pedras e sangue de negros e índios, sob látego lusitano. Porém, mesmo o Atlântico levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão escaldante.
- Ouçam a minha profecia: cobras-grandes se acomodarão nos palácios, catedrais e teatros, à espera de corpos, que engolirão gulosamente.
- E nos clubes elegantes de Belém e Manaus siris comerão cabeças de políticos e jornalistas jabazeiros fritas no crânio, ao som de orquestras de fantasmas.
- Pois grande foi a ambição com que os colonos ibéricos e depois os políticos, mancomunados com Ongs e potências hegemônicas caíram de boca nas tuas carnes, Amazônia, dando fundas dentadas. Por isso é chegado o momento do teu fim, coração das trevas.
- A rapina dos políticos, narcotraficantes, guerrilheiros comunistas, terroristas e a ralé da bandidagem te levaram à ruína. Meninas miseráveis não serão mais sacrificadas por homens impotentes, mas iludidos por dinheiro e poder.
- Imensas sucuris se enrolarão nas antenas de televisão que pertenceram a famílias bilionárias, e peixes pequenos morrerão na bebida falsificada de teus bares.
- Pinta-te como puta e coloca todas as tuas joias, aviva de vermelho teus lábios e tuas unhas e canta a canção mais indecente que conheces, e conheces muitas canções indecentes, pois é tarde para rezar. É hora de o teu corpo pecaminoso ser varrido pela fúria. Canta a tua última canção, Amazônia! E não será uma canção de Fernando Canto.
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