Curitiba e violência
QUEM TEM MEDO DA VERDADE?
Publicado
em
Curitiba é considerada como cidade modelo, mas parece ter especial dificuldade quando o assunto é tolerar vozes dissonantes, especialmente quando vêm de um homem negro que ousa apontar o que muitos preferem fingir que não existe.
Em 2022, a Câmara de Vereadores tentou cassar Renato Freitas, PT, por protestar contra os assassinatos do congolês Moïse Kabagambe e Durval Teófilo Filho, homens negros mortos no Rio de Janeiro.
O episódio, ocorrido após uma missa na Igreja do Rosário dos Homens Pretos, escancarou a seletividade institucional real no país. Em vez de discutir racismo e violência, optou-se por punir quem denunciava o problema.
Agora deputado estadual, Freitas volta a ser alvo de setores da política paranaense. Não por escândalos, não por rachadinhas, não por propinas, mas por fazer justamente o contrário.
Da tribuna, expõe abusos policiais nas periferias de Curitiba e afronta a normalização da violência seletiva. Teve ainda a ousadia de revelar que o então presidente da Assembleia, Ademar Traiano, PSD, confessou ao Ministério Público ter recebido propina.
Em Curitiba, parece que acusar corrupção é mais imperdoável do que cometê-la.
A cena mais recente se deu nesta quarta-feira, 19.
Um homem branco abordou Renato na rua com ofensas e iniciou a agressão captada em vídeo. O fato reacendeu o debate sobre o ambiente hostil que se formou na cidade.
Pode-se questionar por que Freitas reagiu, mas raramente se pergunta quantas vezes um corpo negro aguenta ser humilhado antes que algum gatilho dispare.
A pergunta incômoda deveria ser outra: por que alguém se sente autorizado a agredi-lo em plena rua?
Parte da resposta está na herança da Operação Lava Jato que transformou a capital paranaense em laboratório de um moralismo seletivo.
A operação nutrida por vazamentos ilegais e decisões questionáveis ajudou a difundir a lógica do inimigo interno, o petista, o militante de esquerda, o negro politizado.
Alimentou um ressentimento que desembocou na cultura do ódio que ajudou a eleger Jair Bolsonaro.
O resultado é uma cidade que ainda se orgulha de sua ordem, mas fecha os olhos para as violências que sustenta.
Perguntar por que Curitiba se tornou tão conservadora é, no mínimo, urgente.
Se nada mudar, a lógica que hoje tenta silenciar Renato Freitas continuará a justificar novas agressões, novas perseguições e a perpetuar a mesma covardia institucional de sempre.
Manifestações nas ruas e movimento forte de pressão nas redes sociais é o mínimo a ser feito. O mais é com a justiça.
………………….
Gilberto Motta é escritor, jornalista, professor/pesquisador. Vivem na Guarda do Embaú, litoral de SC.