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A caçada

Uma incursão (ficcional) pela mitologia

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Eles eram filhos de Licaonte, homens cruéis, por essa razão transformados em lobos por Zeus, assim como sucedera ao pai. Um deles, também chamado Licaonte, diferenciava-se dos irmãos por não ser um devorador de carne humana. Tudo o que desejava era correr pelas matas da Hélade, sob o manto da noite, sentindo os raios da lua multiplicarem a força de seus músculos, ampliarem a velocidade de seu corpo flexível e ágil de lobo; seu maior prazer era inebriar-se com a profusão de odores das presas que ali se encontravam – e nenhuma delas pertencia às tribos dos helenos.

Só que os imortais se entediam facilmente, no Olimpo ou no plano terreno, e alguns deles resolveram organizar uma caçada.

Licaonte logo percebeu que estava sendo perseguido. Abriu um sorriso desdenhoso. “Vou atraí-los para o mais fundo da floresta”, disse a si mesmo. “E ensinar-lhes uma lição”. Ignorava quem estava no seu rastro, mas isso não era importante, logo descobriria. Eles, por sua vez, comprovariam que sua presa era um predador temível, de dentes e garras aguçados.

Havia três caçadores: Ártemis, deusa da caça, Órion, o arqueiro, inseparável companheiro de Ártemis, e Selena, deusa da lua. O lobisomem investiu contra eles numa clareira. Seus dentes dilaceraram o braço de Ártemis – e só quando viu o ícor dourado escorrer dos ferimentos foi que ele percebeu que enfrentava imortais. Isso não o impediu de atacar continuamente, não como uma fera e sim como um duelista, arremessando-se e em seguida recuando, esquivando-se das flechas e lanças, seu corpo transformado em uma espada flexível e mortal. O sabor do sangue levava seus irmãos a perder o controle, mas o ícor divino não exercia esse efeito sobre ele. A luta prolongava-se e Licaonte estava se saindo bem.

Mas era impossível abater divindades; ele podia apenas feri-las e, a cada golpe certeiro de Ártemis e de Órion, perdia um pouco de sua energia sobrenatural. Comovida com o heroísmo daquele ser sob sua influência, a deusa da lua abandonou por um momento o combate e invocou seu irmão Hélios, condutor do carro do sol, suplicando-lhe que saísse mais cedo pelos céus, de modo a abreviar a escuridão. Assim foi feito e, quando o luar desapareceu, dando lugar à alvorada, Licaonte retornou à forma humana.

Os deuses compadeceram-se do guerreiro gravemente ferido, inconsciente a seus pés, que os havia enfrentado com tamanha bravura, e não o abateram. Ao invés disso, trataram-lhe os ferimentos. Só partiram depois de se certificarem de que ele sobreviveria. E assim prolongou-se ao longo dos séculos a linhagem de Licaonte, mais nobre que a de seus irmãos, bestas-feras sedentas de sangue.

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