Asa Norte
Rebu no condomínio
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Arlete andava às turras com Eliosmar, vizinho de prédio na Asa Norte, na capital do país. Não que esse imbróglio fosse antigo, até porque, não fazia muito tempo, os dois mantinham, digamos, excelente relacionamento, mesmo que ambos fossem casados com pessoas distintas. Por sorte ou discrição, o romance, enquanto durou, parece não ter ido além da alcova.
O término do relacionamento não se deu por incompatibilidades ou falta de desejos. Nisso, aliás, os amantes pareciam ter nascido um para o outro, como adultos que, de repente, se percebem adolescentes diante da primeira paixão. O problema foi outro, que pegou Arlete de surpresa: eleição condominial.
A mulher, que há tempos reclamava da conduta do síndico, o Juarez, resolveu lançar candidatura própria. Até aí, nenhum problema aparente, mesmo porque o desafeto havia decido não concorrer. E a situação caminhava para uma vitória da Arlete, já que ela era a única candidata ao cargo. No entanto, no minuto final da reunião, eis que alguém resolveu lançar-se no pleito.
Carla. Sim, justamente a Carla. Pois saiba você que a dita cuja era nada mais, nada menos do que a esposa, de papel passado e tudo, do Eliosmar. E isso, aliás, deixou o gajo numa sinuca de bico, pois, apesar de não querer se meter, foi obrigado pela mulher a fazer campanha para ela.
— Não é possível que você vai ficar ao lado daquela lambisgoia.
— Arlete, mas a Carla é a minha mulher.
— Hum! E eu o que sou?
— Bem, você é…
— Sou o quê, Eliosmar? Diga! Diga!
— Ué, você é mulher do Adamastor.
— Ah, agora, então, eu sou mulher do Adamastor. É isso mesmo?
— E não é?
— Pois você é um cínico! Sim! Um cínico!
— Mas, Arlete…
— Chega! Já entendi tudo! Sou apenas um passatempo pra você.
— Não é isso, meu amor.
— Amor? Não sou o seu amor! O seu amor é aquela usurpadora.
— Usurpadora?
— E não é? Desde quando ela quis ser síndica? Aposto que se candidatou apenas pra me apezinhar. E você… Ah, e você ainda tem a petulância de ficar ao lado dela?
O término foi inevitável. E a campanha eleitoral, que parecia ser mais uma entre tantas outras, se tornou uma verdadeira guerra. E nenhuma das duas candidatas estava disposta a perder.
As ofensas mútuas aconteceram de modo vexaminoso. Nada era deixado de fora, inclusive um possível par de chifres que a Carla teria ganhado por suposta traição. E o pior é que quem espalhou a fofoca foi justamente o pivô do adultério. Anonimamente, é óbvio!
No dia da votação, a Carla expôs seus planos de melhorias. Todavia, os moradores pareciam mais interessados no imbróglio, ainda mais por causa de um comentário maldoso da Arlete.
— Pois é, Carla, como é que você vai dar conta de administrar o nosso condomínio, se não consegue nem mesmo tomar conta do seu marido?
Por pouco, a assembleia não se tornou um ringue. Contidas pelos presentes, as concorrentes, cada uma no seu canto, ouviram a contagem de votos. Por 18 a 7, e 11 abstenções, eis que a Arlete foi eleita a nova síndica do condomínio. Mas não pense você que a pendenga acabou por aí.
Ainda naquela noite, todos os moradores voltaram os ouvidos para a discussão vinda do apartamento 401. E a briga foi tamanha, que o Eliosmar achou por bem deixar a esposa falando sozinha e, então, foi passar a noite em um hotel.
Já na unidade 402, eis que o Adamastor comentou com a amada sobre aquele rebu.
— Arlete, amor da minha vida, será que a Carla vai pedir o divórcio?
— Hum! Não tô nem aí. Quero mais é ver o circo pegar fogo e o palhaço morrer queimado.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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