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Nordeste pulsa

Bolsa Família vira vetor que move interior

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Autor/Imagem:
Acssa Maria - Foto Editoria de Artes/IA

No mapa do Brasil oficial, os municípios aparecem como pontos iguais, alinhados por linhas imaginárias. Mas, no mapa real da vida, há cidades que respiram com mais dificuldade. No Nordeste profundo, muitas prefeituras aprenderam a administrar não apenas ruas, escolas e postos de saúde, mas também a escassez. E, nesse cenário, o Bolsa Família deixou de ser apenas um programa social: tornou-se uma engrenagem silenciosa do orçamento municipal.

Em cidades pequenas, onde a arrecadação própria mal paga a conta de luz da prefeitura, o dinheiro que entra pelos cartões do Bolsa Família circula como sangue novo. Não passa pelo caixa do município, é verdade, mas sustenta o comércio, garante o imposto do pão, do gás, do remédio. O prefeito sabe: quando o benefício chega, a feira fica cheia, a farmácia vende fiado com menos medo, o mercadinho reabastece as prateleiras. É a economia girando sem pedir licença.

Essa dependência não é teórica, é concreta. Sem indústrias, com agricultura frágil e empregos formais raros, muitas cidades vivem de transferências.

O Fundo de Participação dos Municípios mantém a máquina pública funcionando; o Bolsa Família mantém o povo em pé. Quando um falha, o outro sente. Se o benefício atrasa ou encolhe, o impacto aparece rápido: queda no consumo, menos arrecadação de ISS, comércio parado e a prefeitura, já frágil, apertando ainda mais o cinto.

Nas salas frias das secretarias de finanças, o discurso é técnico. Fala-se em “baixa capacidade arrecadatória” e “economia dependente de transferências”. Mas, nas ruas quentes do sertão e do agreste, o nome é outro: sobrevivência. O dinheiro do Bolsa Família paga o arroz, o feijão, o caderno do menino. Indiretamente, paga também o imposto que ajuda a manter o município de pé.

Há quem critique essa engrenagem, chamando-a de vício ou acomodação. Mas quem governa cidades onde o emprego não brota da terra seca sabe que o problema não é o programa, é a ausência histórica de alternativas. A dependência orçamentária não nasceu do Bolsa Família; ele apenas revelou uma estrutura desigual, onde municípios inteiros foram condenados a viver de repasses.

Ainda assim, a crônica não termina na resignação. Em muitos lugares, o benefício virou base para algo maior. Com o mínimo garantido, famílias arriscam pequenos negócios, crianças permanecem na escola, a fome recua. E, pouco a pouco, surge a esperança de que um dia o orçamento municipal não dependa tanto do que vem de fora.

Até lá, no Nordeste real, o Bolsa Família segue sendo mais que política social. É âncora econômica, colchão fiscal indireto e fio invisível que sustenta prefeituras inteiras. Uma dependência que revela não fraqueza moral, mas a urgência de um país que ainda precisa aprender a distribuir oportunidades antes de cobrar autonomia.

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