Quarta encarnação
Pelo terceiro ano, 8 de janeiro será lembrado como o início do fim do mito
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A ignorância da mente humana realmente não tem limites. Em 15 dias, o Brasil relembrará o terceiro ano de um dos maiores descalabros da política nacional. Trata-se do 8 de janeiro, barbárie convocada por Jair Bolsonaro uma semana após a posse de Luiz Inácio para seu terceiro mandato como presidente da República. Da mesma forma que a reencarnação de Lula não foi um fato isolado, isto é, representou a vontade da maioria, o vandalismo contra símbolos do poder brasileiro teve por objetivo o golpe na democracia. Como o fracasso e a perda podem levar o homem à loucura, nada melhor do que o tempo para nos moldar ou nos enterrar de vez na sepultura dos que teimam em esperar por Tomé, o que precisavam ver para crer.
O mito deixou de ser mito faz tempo, mas os ignorantes e estultos se superam. É o caso dos líderes extremistas no Congresso Nacional e de um vereador bolsonarista de Porto Alegre – o nome é desnecessário -, cuja única obra política foi propor e aprovar, com apoio de um prefeito também abobalhado, uma lei consagrando o 8 de janeiro como o ‘Dia do Patriota’ na capital gaúcha. Antes que a cidade virasse piada continental com a homenagem local a criminosos nacionais, os demais vereadores revogaram a norma dedicada ao golpismo.
Mais surreal e constrangedor do que a lei foi saber que o autor havia sido cassado pelo TRE/RS um mês antes de o prefeito sancionar a lei. Trágico e simultaneamente cômico, o palhaço travestido de vereador (provavelmente um cozinheiro frustrado) já havia proposto aos pares a oficialização de datas festivas como as “do Macarrão”, “da Salada Grega”, “do Azeite Grego, “do Sarrabulho” e “do Milk Shake”, entre outras. A sorte do povo brasileiro é que a burrice dos patriotas, incluindo o chefe supremo, é tão extrema como seus ultrapassados conceitos.
A facilidade como a direita produz provas contra si só é comparável ao gago tentando passar trote. Eduardo Bolsonaro dispensa comentários. Mas quem não se lembra da troca de zaps golpistas entre os coronéis da PM do Distrito Federal condenados recentemente? E das confissões do hacker Walter Delgatti? E das digitais inferiores e superiores da ex-deputada Carla Zambelli? Pior foram as mensagens trocadas entre Jajá da Goméia e seu carregador de malas preferido, o tenente-coronel Mauro Cid. O armazenamento de maracutaias no celular do advogado Frederick Wassef é coisa de menino exibicionista. Tudo isso indica que, além de protocolado no Palácio do Planalto, o golpe eram favas contadas.
Ou seja, imperava a certeza da impunidade entre a escória da sociedade brasileira. Antes de subirem aos céus, se estatelaram na terra como baratas e ratos de esgoto. O fato é que eles não contavam com a astúcia dos que ainda conseguem pensar. Para delírio de alguns, Xandão de Moraes, com apoio da maioria dos colegas da Primeira Turma do STF, cancelou CPFs, patentes militares e mandou todos para o xilindró. Com uma canetada e uma pernada certeira, derrubou o capetão. Contra os demais, bastou a única perna do Saci-Pererê. O efeito dominó da queda livre ainda não cessou. Em relação ao engolidor de fogo gaúcho, o STF cuidou dele, antecipando-se à decisão da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
O argumento usado contra a lei é que ela “exalta a atuação de pessoas que invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e o próprio Supremo “sob a máscara do amor à pátria”. Para os ministros da Corte Suprema, para mim e para qualquer brasileiro com um mínimo de coerência, “os infames atos do dia 8 de janeiro entraram para a história como símbolo de que a aversão à democracia produz violência e desperta pulsões contrárias à tolerância, gerando atos criminosos inimagináveis em um Estado de Direito”. A data também marca o início de um mito fabricado nas entranhas da tirania. Portanto, em lugar de comemoração, o dia 8 de janeiro merece repúdio constante. E terá. Afinal, toda roupa recebe a alma de quem a usa. Bolsonaro, os generais, coronéis e afins já receberam as suas. E Lula caminha firme para sua quarta encarnação.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978