Machismo
O ciúme
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“Só faltava ter ciúme do padre quando ele ia me dar a hóstia”
Tudo o que eu queria era fugir daquela casa. E de meu pai.
No balanço da praia à beira do rio da Madre, a mulher feita, Carol, me conta histórias de um tempo quase esquecido, porém ainda vivo.
“Eu apanhava desde pequena em casa e às vezes no meio da rua. Ele era incontrolável e o ciúme o consumia”.
Olho nos olhos da bela Carol, percebo as mãos trêmulas, suadas, o peito ofegante e me deparo com a injustiça que os homens – como eu – praticam há milênios contra as mulheres.
Fico tocado e sem jeito.
Na verdade, desejo dizer apenas:
“Perdão!”
Depois, puxo a mulher pelas mãos e saio caminhando com ela em direção ao pôr do sol.
Nestes tempos de tamanha insensatez e solidão, a vida nos reserva um tiquinho de autocrítica para amenizar cicatrizes históricas.
Carol muda repentinamente de atitude: dança e corre descalça pisando na areia branca da pequena praia.
Eu sorrio e me entrego a tamanha felicidade.
O pai de Carol, pescador rude, seu Barcelos, morreu faz mais de anos.
Carol está viva. Vivíssima. Sobreviveu.
Sentamos no Bar Del Madre, na areia, pedimos cerveja e camarão.
Carol está tranquila.
Eu, ao contrário, estou incomodado e com sentimento de culpa.
A culpa dos homens, a culpa dos escárnios, a culpa pela qual o seu Barcelos talvez jamais pagará.
Enfim, a noite chega na Guarda do Embaú e levo Carol para casa, a mãe à espera.
Ela se despede de mim com um doce beijo no rosto e diz:
“Obrigada, ‘tio”…você é o pai que eu não tive”.
Tomo rumo de casa e sigo pensando:
“A vida é mesmo bela… É bela!”
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Gilberto Motta é escritor, jornalista, professor/pesquisador e “pai” de tantas filhas sofridas por este mundão de deus. Vive na Guarda do Embaú, pequena comunidade de pescadores e turistas no litoral de SC.