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Vida adulta

As Amizades que Nos Encontram Depois

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Autor/Imagem:
Emanuelle Nascimento - Foto Francisco Filipino

Todo mundo fala das amizades de infância. Fala como se elas fossem o ápice da lealdade, da pureza, daquilo que atravessa o tempo sem desgaste. E, de fato, muitas delas nos moldaram. Mas quase ninguém fala das amizades que surgem depois quando já não somos ingênuas, quando já fomos feridas, quando já perdemos coisas demais para acreditar facilmente.

As amizades da vida adulta não nascem do acaso; nascem do reconhecimento. Nós nos encontramos já cansadas, já com histórias quebradas, já sabendo o que não queremos mais. Não há idealização excessiva, não há promessa eterna. Há presença. E isso, por si só, é revolucionário. São laços que não pedem explicação o tempo todo, que não exigem versões melhores de nós, que entendem o silêncio sem tomá-lo como abandono.

Essas amizades não chegam para nos salvar de forma épica. Elas nos salvam aos poucos. Um café num dia difícil. Uma mensagem curta que diz “eu vi você”. Um riso inesperado no meio do caos. Um acolhimento que não tenta consertar, apenas sustentar. Nós vamos sobrevivendo assim: em pequenas doses de cuidado que, somadas, nos mantêm vivas.

Diferente das amizades da infância, essas já conhecem o peso do mundo. Elas sabem que não dá para estar sempre, mas fazem questão de estar quando importa. Não competem com nossas dores, não minimizam nossas quedas. Elas não perguntam “por que você ainda sente isso?”, perguntam “como você está hoje?”. E essa diferença muda tudo.

Há algo profundamente político nessas relações. Num mundo que nos empurra para o isolamento, para a produtividade solitária, para a ideia de que cada uma deve se virar sozinha, escolher construir amizade na vida adulta é um ato de resistência. Nós criamos redes quando o sistema prefere indivíduos cansados. Nós cuidamos umas das outras quando tudo tenta nos endurecer.

E talvez o mais bonito seja isso: essas amizades não nos conhecem desde sempre, mas nos conhecem por inteiro. Conhecem quem fomos, quem estamos tentando ser e quem ainda dói. Elas não romantizam nossa história, mas respeitam nosso processo. Que fique como lembrete coletivo: nem toda salvação vem da infância. Algumas chegam depois, quando já não acreditávamos muito. E são justamente essas amizades tardias, maduras, imperfeitas que nos ensinam que a vida continua não apesar de tudo o que passamos, mas também por causa de quem caminha conosco agora.

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