Grito escondido
A CORAGEM DE EVA
Publicado
em
“Quero me desfazer de tudo” é um nó na garganta. Esse grito escondido é mais alto que um sussurro, e mais sutil que um sorriso. Não sei se essa é a melhor forma de dizer, mas sei que minhas mãos conversam, e seguem quietas, contudo.
Toda a humanidade se ruiu diante de um sim, quando a resposta correta era negativa.
Quero me livrar da norma, mas me sinto presa. É a tua mão que ainda seguro em vão. Para ler é necessário o desapego que exercito ou tento. Os olhos vão correndo entre as palavras e dando-lhes sentido. Já agora não me recordo do início, mas tenho a reminiscência de dizer o que não era preciso.
Detesto a necessidade de escrever. Me sinto frágil, sem alcançar a vulnerabilidade que o papel me permite, a qual tão sedentamente busco. Nesses quase-encontros raramente me sinto satisfeita. Aperto a tua mão como se ainda dela precisasse — preciso? — mas segue imóvel e fria.
Aprecio o pecado de Eva: a ousadia de sair do cárcere-masculino ainda que isso lhe custasse o rótulo eterno. Gostar de Lilith é para os românticos, que criam o que não está porque encarar é muito duro.
A resposta correta seria ficar no jardim, mas por vezes o erro parece acertado. A humanidade não aguentaria ruir-se de uma vez, seria necessária a liquidação paulatina, dia após dia. No entanto, há uma serpente que sussurra e sorri, e sabe apertar — melhor que tua mão, meu grande Deus? — esse entrelugar.